Luiz Inácio Lula da Silva não consta da lista dos réus acusados pela Procuradoria-Geral da República de integrar a “sofisticada organização criminosa” que assaltou os cofres públicos para se perpetuar no poder. Mas, a cada dia que passa, a ausência do nome dele no processo torna-se mais incômoda e injustificável. A cada dia que passa, parece mais evidente que as “quatro paredes de um palácio presidencial” onde o mensalão foi urdido e executado foram as do gabinete presidencial.
A revista Veja desta semana dá mais um passo no sentido de envolver ainda mais o ex-presidente na trama criminosa. Com base em declarações de Marcos Valério, o homem que privava de total confiança palaciana, era frequentador assíduo do Planalto e ainda hoje mantém franca interlocução com a entourage petista, a conclusão é indubitável: Lula era o chefe da quadrilha.
Há muito mais na reportagem da revista. Também com base no que diz o homem que operou o esquema, o mensalão envolveu muito mais dinheiro do que se admitia até agora. A caixa preta petista teria movimentado R$ 350 milhões, ou seja, quase três vezes mais do que já se provou – até agora, só se sabia dos R$ 74 milhões surrupiados da Visanet/Banco do Brasil e dos R$ 55 milhões lavados nos bancos Rural e BMG.
Sendo Lula “um sujeito safo” como é, como sublinhou o ministro Marco Aurélio Mello noutro dia, ninguém, em sã consciência, é capaz de acreditar que ele nada sabia do mensalão. Mas, pelo que divulgou a Veja nesta semana, o envolvimento do então presidente da República desceu a níveis muito mais profundos do que se admitia até agora.
Marcos Valério revela que Lula operava, dentro do Palácio do Planalto, a arrecadação de recursos para irrigar o esquema mafioso petista e, com a dinheirama, comprar apoio parlamentar no Congresso. Só a confiança na impunidade possibilitaria a alguém agir com tamanha desenvoltura para pôr o Estado a serviço de seu projeto de poder.
“Lula teria se empenhado pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos contribuintes tinham algum interesse no governo federal. (…) Muitos empresários se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista”, informa a revista.
Há farto material para que o Ministério Público volte a examinar o caso e, se assim o entender, inclua também Lula entre os investigados num inquérito para apurar o envolvimento do ex-presidente no mensalão. Por muito menos que isso, um presidente da República sofreu impeachment…
Ricardo Noblat agrega hoje, n’O Globo, que Valério tem munição ainda mais pesada guardada para detonar seus antigos comparsas. O publicitário teria gravado um vídeo em que narra, com riqueza de detalhes, como funcionava o esquema e como cada um se envolveu na tramoia. Foi uma forma, diz ele, de assegurar que não seria executado antes de poder contar a verdade.
“O que Valério conta no vídeo seria capaz de derrubar o governo Lula se ele ainda existisse, atesta uma pessoa íntima da estrela do mensalão dona da quarta cópia. Na ausência de governo a ser deposto, o vídeo destruiria reputações aclamadas e jogaria uma tonelada de lama na imagem da Era Lula”, escreve o colunista.
Outro que estaria prestes a botar a boca no trombone é Delúbio Soares. Segundo o Valor Econômico, o ex-tesoureiro do PT está arrependido de ter assumido sozinho a responsabilidade pelas operações que o Supremo comprovou, na semana passada, serem fraudulentas. Delúbio estaria se sentindo “abandonado” pelos companheiros.
“Os ressentimentos não são apenas de Delúbio com Dirceu e o PT. Dirceu também andou se queixando do ex-tesoureiro do PT, que fizera ‘uma lambança só’ quando ocupava o cargo. Outros integrantes do núcleo petista, que analisam estratégias para a travessia do mensalão, também criticam Delúbio”, expõe o jornal.
Hoje os ministros do Supremo Tribunal Federal começam a se debruçar especificamente sobre este lodaçal que, a cada dia que passa, conhecemos um pouco mais e, a cada dia que passa, mais repulsa causa. Nesta etapa, 23 mensaleiros, entre eles José Dirceu, Delúbio e José Genoino, estarão no banco dos réus, acusados por crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Como numa legítima máfia, Lula e os mensaleiros ancoravam sua crença na impunidade nos compromissos mútuos que firmaram entre si. Com ele no vértice, fiavam-se no fio de bigode de um presidente que se julgava intocável e inimputável. Mas a atitude decidida dos ministros do STF no julgamento do organograma criminoso minou-lhes a confiança. O código de silêncio que sustentou o maior escândalo de corrupção da história política do país está sendo rompido: se faltava um chefe, agora não falta mais.