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O século 21 tem de entrar pelo cano

A situação do saneamento básico no Brasil chega a ser trágica. Menos de metade da população tem acesso ao serviço de esgotamento sanitário e só 40% do esgoto coletado é tratado. Na Região Norte do País, só 1 em cada 7 domicílios é ligado à rede. O abastecimento de água, a outra ponta do saneamento, vê-se ameaçado por fatores climáticos, o que exige elevar fortemente os investimentos. Ademais, as perdas de água representam 37% do volume produzido; em dez Estados, essa proporção é superior a 50%!

A reversão do quadro requer ações concretas do Estado para estimular o investimento e acelerar o acesso à coleta e ao tratamento de esgoto. Exige muito mais persistência, prioridades claras, recursos e planejamento, especialmente da esfera federal.

Em matéria de recursos, é preciso lembrar que o volume de investimentos realizado anualmente no setor é insuficiente para alcançar a meta, modesta, do Plano Nacional do Saneamento previsto em 2007: universalizar os serviços básicos até 2033. A média anual de investimentos do período 2010-2014 foi de R$ 10 bilhões, inferior aos R$ 15 bilhões exigidos pelo cumprimento da meta. Mantida a média, a universalização seria alcançada apenas em 2050!

O prejuízo social dessa situação é imenso. Há estatísticas abundantes e inequívocas sobre o impacto da falta de saneamento na mortalidade infantil e na grande incidência de doenças transmitidas pela água não tratada ou relacionadas à falta de esgotamento sanitário. Estudo recente do Instituto Trata Brasil, por exemplo, mostra que a inadequação dos serviços de saneamento no País provoca cerca de 75 mil internações por infecções gastrointestinais por ano. Esses males reduzem a frequência escolar, afetando o rendimento dos alunos. Estudos recentes mostram os efeitos prejudiciais sobre a formação do cérebro dos fetos em razão da elevada frequência de doenças por veiculação hídrica nas gestantes.

Persistência, prioridades para valer, planejamento e capacidade executiva não são o forte dos governos petistas, para dizer o menos, e isso afeta de forma dramática o quadro do saneamento básico no Brasil. Apostando na eficácia da descentralização para Estados e municípios, encaminhei projeto ao Congresso, já aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, que permite aumentar em cerca de 25% o volume anual de investimentos em saneamento – em torno de R$ 2,5 bilhões/ano.

Parti do princípio do que na literatura econômica é conhecido como “externalidade positiva”: a diferença entre o benefício social e o benefício privado de determinada atividade. Segmentos com elevadas externalidades positivas, e esse é o caso do saneamento básico, devem ser incentivados, em vez de punidos com elevada carga tributária, como é o caso do saneamento no Brasil. É isso mesmo: esgotamento sanitário e abastecimento de água são duramente tributados em nosso país.

Acredite se quiser: a tributação cresceu desde 2002 e 2003 por causa da migração das empresas do setor do regime cumulativo para o regime não cumulativo do PIS/Pasep e da Cofins. Na prática, a carga desses dois tributos sobre o setor mais do que duplicou, chegando em anos recentes a um montante próximo de R$ 2,5 bilhões/ano para um total de investimentos pouco superior a R$ 10 bilhões.

Diante dessa constatação e do princípio da externalidade positiva, o projeto de lei apresentado cria o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico, prevendo que os investimentos nessa área sejam utilizados como créditos perante o PIS/Pasep e a Cofins. Ou seja, aquilo que foi recolhido será automaticamente devolvido ao setor sob a forma de novos investimentos.

Cada real investido no saneamento acarreta efeitos positivos que vão muito além da própria área, propiciando não só menores gastos governamentais no sistema público de saúde, como benefícios expressivos ao meio ambiente, à educação, ao desenvolvimento regional e à economia como um todo.

É bem sabido também que o saneamento básico propicia a revitalização do espaço urbano. Quando uma área que não dispunha de água tratada e esgotamento sanitário passa a ter acesso a esses serviços, experimenta valorização imobiliária, transferindo riqueza para famílias carentes e beneficiando o conjunto da sociedade.

Regiões com saneamento são mais adequadas para a instalação de novas atividades industriais e de serviços, atraindo investimento e gerando renda e oportunidades de emprego. Isso estimula adicionalmente o setor de construção civil, tão combalido na atual crise. Exercício feito com base na matriz insumo-produto do IBGE mostra que um aumento de 10% no total anual de investimentos no setor, cerca de R$ 1 bilhão a mais, produz um acréscimo no valor bruto da produção total de R$ 3,14 bilhões.

O projeto estabelece uma condição importante para que as empresas de saneamento tenham direito ao crédito do tributo. A primeira é que os investimentos planejados elevem a média registrada nos últimos cinco anos: se uma empresa investia cerca de R$ 500 milhões por ano, só terá direito a crédito para os investimentos que superarem esse valor nos anos subsequentes. A média do período de 2010 a 2014 será sempre corrigida pela inflação. Assim, armamos uma proteção contra os desvios de finalidade dos recursos adicionais.

A situação do saneamento no País é incompatível com qualquer projeto decente de desenvolvimento. É preciso desmoralizar a tese de que investir na área não vale a pena porque obra enterrada não dá voto, como rezava a cartilha do velho populismo.

Precisamos fazer o século 21 chegar aos brasileiros literalmente pelo cano. É humilhante para nós que, na era da economia da informação, milhões de pessoas estejam sujeitas a doenças que não são causadas por agentes patogênicos, mas pela desídia. De resto, todos sabemos que não existem vírus mais agressivos do que a incompetência e a inércia. Dá para fazer. E chegou a hora de fazer.

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