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O silêncio das oposições

Alberto Goldman

Tornou-se lugar comum na imprensa, e mesmo no discurso de lideranças políticas da oposição,  dizer que, desde o início do período petista na direção do governo federal, vivemos o silêncio das oposições.

Dado isso como uma “verdade”, sem que ninguém tenha a coragem de contestar, parte-se para uma tentativa de explicação, se não justificação, dessa pretensa omissão que, além de garantir a manutenção do  PT no poder, poria em risco a nossa democracia à duras penas conquistada.  E ela, a ”verdade”,  se apoia no conceito de que com a situação econômica em que vivemos – um mar de tranquilidade, aumento da capacidade de consumo da população e desemprego em queda – fazer oposição tornou-se um ato de contrição ( ou de auto flagelação ), conforme assinalou Fernando Henrique Cardoso em seu artigo em 5 de fevereiro último.
O ex-presidente, corretamente, não se conforma com isso. Lembra que também era assim no período do milagre dos anos 70, durante o regime militar, mas a oposição não se calou, apesar da censura e dos perigos de cassação de direitos políticos.  Resistiu, combateu e venceu, impulsionada por um ideal: liberdade e democracia.
FHC diz que hoje a situação é infinitamente mais fácil e confortável e pergunta: hoje o que queremos? Ganhar eleições para quê?
Quis o destino que eu vivesse esses dois momentos apontados, o ontem e o hoje.  Lá atrás, na década de 70, apesar da insegurança em que vivíamos – ser oposição era um ato de coragem e de ousadia diante da repressão e do “milagre econômico” – tínhamos objetivos bem definidos e um inimigo que não usava subterfúgios: era um estado de exceção, uma ditadura, sem rodeios.  Sob esse aspecto era mais fácil definir quem estava do lado de cá e quem estava do lado de lá e era confortável saber que o povo compreendia a situação e se sensibilizava com o nosso discurso.  Se nas eleições de 1970, logo após o Ato Institucional nº5, fomos amplamente derrotados em todo o país, logo depois, em 1974, o MDB derrotou a Arena nos principais estados do país, mostrando, de imediato, a sua desconformidade com o regime, ainda que o quadro econômico não fosse tão ruim.  E logo em seguida, em 1978, confirmamos as nossas vitórias elegendo em São Paulo Montoro, senador e Fernando Henrique, seu suplente, e obrigamos o regime a aceitar, em 1982, as eleições diretas de governadores dos estados, onde, mais uma vez, tivemos resultados expressivos.
Apenas na aparência o quadro hoje é mais fácil e confortável.  O  PT foi vitorioso não só porque o país passou por um período de crises econômicas internacionais na década de 90, que afetaram sobremaneira a vida dos brasileiros mas também porque não soubemos conscientizá-lo sobre os benefícios a médio e longo prazo das reformas efetuadas pelo governo do PSDB.  Hoje o PT, além de navegar em um período de crescimento econômico no âmbito internacional ( com alguns lapsos, como em parte de 2011 ),  aproveita tudo o que plantamos e se apropriou das nossas políticas como plataforma para suas vitórias.  A estabilidade também passou a ser dele, da mesma forma como o equilíbrio fiscal, a responsabilidade fiscal, a meta de combate à inflação, o respeito à legalidade e às instituições, e outras por nós implantadas.
Poderíamos reduzir tudo isso dizendo que fomos vitoriosos, não apenas  pelas nossas mãos, mas pelas mãos dos adversários pois conseguimos fazê-los sair das sua posições atrasadas e conservadoras para aceitar que o novo Brasil não se constrói com os dogmas do passado.  Mas não se pode negar também que tiveram a capacidade de, dessa forma, se credenciar perante a sociedade organizada, ainda que em nenhum momento tenham deixado de fazer uso da máquina estatal e de se pautar pela falta de escrúpulos com que conduzem e mantém o poder.
Mas é preciso ressaltar que ainda que o país não passe por um momento de grandes dificuldades econômicas,a situação não é confortável se vista na perspectiva do futuro.  A nossa indústria vem sofrendo um esvaziamento preocupante, que vem de anos, mas se agrava com as políticas do governo Lula/Dilma.  A nossa infraestrutura é cada vez mais deficiente para alavancar uma nova fase de desenvolvimento, a qualidade da educação no país avança muito lentamente, de forma insuficiente para atender a demanda de nosso desenvolvimento; a produtividade da nossa economia também cresce lentamente, aumentando o distanciamento em relação às nações mais desenvolvidas e mesmo às emergentes, e a desigualdade social continua a ser a nossa marca mais perversa.  Além disso, no campo institucional, pessoas e partidos assumiram o poder saqueando o estado em benefício pessoal, aprofundando as injustiças e esterilizando a capacidade de gestão do governo.
Ainda assim, com todos os aspectos citados que favoreceram o partido no poder, conseguimos mostrar – e fazer o povo perceber – os aspectos negativos das atitudes e políticas federais, e obtivemos nas últimas eleições 44% dos votos.  Tudo que foi exposto acima, além das dissonâncias internas do PSDB, se de um lado não tenha nos dado a vitória, do outro permitiu obter esse resultado expressivo. Mostramos força na expressão de nossas convicções e a campanha eleitoral foi feita nos limites das nossas possibilidades.
Falar à sociedade com força e veemência, como prega FHC, tudo o que se sente, inclusive a indignação pela corrupção e pela incompetência administrativa, é o que se fez e é o que se faz, combatendo um adversário que, ninguém se engane, é mais forte e mais consistente que os brucutus da ditadura.  A construção do discurso, a clareza da mensagem ( como era clara a mensagem quando combatemos a ditadura ou quando FHC venceu com a concretude do plano Real e o início de um processo de distribuição de renda que ainda continua )  deve mostrar que um mundo melhor é possível.
Não basta constatar, fazer um diagnóstico correto. É preciso construir, ir ao povo em todos os lugares e em todas as oportunidades, malhar, às vezes em ferro frio, até que a  sociedade se conscientize de que o que está aí não é o melhor que o Brasil pode almejar para o seu povo, que o país tem um potencial muito maior do que se mostra hoje, que podemos estar, não como o último do BRICs, nem como um dos últimos países emergentes em termos de desenvolvimento, mas como um dos que tem as condições necessárias e suficientes para liderar qualquer ranking, sem ter de ostentar as profundas diferenças sociais que subsistem em nosso país.   É isso o que queremos.  Isso só depende de nós e dos dirigentes que vamos escolher.
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