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Quaresma de quatro anos

Ney Vilela*

Durante a quaresma, os fiéis são convidados a um período de penitência e meditação, por meio da prática do jejum, da esmola e da oração.

Nossa presidente iniciante decidiu-se por levar ao pé da letra o que se diz: “no Brasil, o ano só começa depois do carnaval”. Por não ter aproveitado os primeiros setenta dias de governo para mostrar o que veio fazer no plano da reforma política, tributária e educacional; por não ter se apresentado na TV, ao Congresso ou às instituições mais importantes para debater e programar as atividades de sua administração, Dilma Rousseff condenou seu governo e todo o país a uma quaresma de quatro anos.

Ficaremos jejunos de crescimento econômico, contemplaremos os países emergentes decolarem para o futuro, continuaremos a dar esmolas pela rede de proteção social ao invés de produzirmos emprego e rezaremos para que nenhuma crise internacional interrompa o fluxo de venda de commodities. Por quatro anos veremos a banda, do progresso, passar no rumo da China e da Índia.

O ministro da Fazenda está catatônico diante de um PIB de 7,5%. Mas esse número é uma peça de ficção contábil, construída a partir de um decréscimo de 0,5% no ano anterior. A verdade é que, na década que iniciou o milênio, a economia brasileira cresceu abaixo da média planetária. O crescimento em 2011 ficará em torno de 4%, os investimentos serão de 19% do PIB, nossa renda per capita ficará igual à do México: não são números de Quarta Feira de Cinzas, mas não merecem os confetes e serpentinas que a mídia joga sobre o governo.

O que Dilma Rousseff fará na área da Segurança? O crescimento econômico e o brilhante trabalho da Secretarias de Segurança de São Paulo e do Rio de Janeiro podem mascarar a crise por alguns meses, mas nossas fronteiras são uma peneira para o tráfico de drogas, de armas e para o contrabando. A crise da segurança voltará ao noticiário. Brevemente.

O que será feito da educação? Argumenta-se que essa é uma questão mais estadual e municipal. Mas onde estão as diretrizes federais? Que fazer em relação aos exames nacionais, além de se constranger com seus enormes vexames? Ninguém organizará um pacto com os estados e as cidades visando a melhoria dos currículos e da qualidade das aulas dadas? E quanto à qualidade e os objetivos estratégicos do ensino universitário, nada será feito? O único item mencionado por Dilma Rousseff, no que se refere à educação, é um programa de bolsas para o ensino técnico, proposta surrupiada do plano de governo da oposição: melhor do que nada, mas é muito pouco.

Temos um projeto científico nacional? Na verdade temos apenas um corte orçamentário criminoso para a pesquisa científica.

Na área da infraestrutura, o que há além da confusão e da inoperância nas concessões e privatizações? Com a exceção das telecomunicações, todos os sistemas estão beirando o colapso: aeroviário, portuário, ferroviário, rodoviário, energético, prisional, turístico, de saúde…

A construção de reservas cambiais que ultrapassarão US$400 bilhões serve para atrair os dólares que cobrem os custos de nossas importações. Ou seja, os estrangeiros investem aqui para financiar suas próprias exportações. Aumento da produtividade industrial, portanto, não é objetivo da política econômica de Dilma Rousseff.

Em setenta dias de governo, Dilma Rousseff retirou do Congresso a prerrogativa de definir os aumentos do salário mínimo; deu um aumento para a Bolsa Família que equivale ao que o governo paga, de juros, em uma semana; e prometeu cortes de despesas públicas, que não serão efetivados. É quase nada.

Os chineses dizem que “podemos escolher o que semear, mas somos obrigados a colher aquilo que plantamos”. Dilma Rousseff, ao se evadir de suas responsabilidades, permitiu que as ervas daninhas da estagnação econômica ocupem espaço. O Brasil não terá muito para colher. Nessa quaresma, oremos para que não ocorra uma crise econômica internacional que, como praga de gafanhotos, leve o pouco que se acumulou nos últimos 16 anos.

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