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Terapia de grupo infraestrutural

A economia brasileira teve um suspiro de alívio com o anúncio de que o banco central dos EUA (Fed) não vai abrandar seu estímulo monetário. Apesar da inflação baixa (1,5% ao ano) e do juro real negativo, a economia americana continua a exibir desempenho modesto: a utilização da capacidade instalada aumentou só 1% nos últimos 12 meses, o PIB crescerá 1,7% em 2013 e o desemprego é de 7,3%. Assim, o estímulo, mediante compra massiva de ativos pelo Fed, vai ser mantido no atual ritmo ao menos até o ano que vem.

Isso contrariou as expectativas do mercado financeiro mundial e vai diminuir a pressão sobre a taxa de câmbio no Brasil, arrefecendo seu impacto sobre a inflação. Haverá um pouco menos de especulação e algo mais de ingresso de capital externo, mesmo porque agora os juros domésticos são maiores e continuarão a subir. Daí o suspiro. Suspiro virar fôlego são outros 500… Uma coisa está clara: a ideia de que a economia brasileira seria dinamizada já neste ano pelo boom de investimentos em infraestrutura e petróleo, com pujantes efeitos sobre a demanda a curto prazo, se desvaneceu.

O exemplo recente das concessões de estradas é eloquente. Duas foram postas em leilão. Uma (BR-050) funcionou porque o governo errou nos cálculos: previu mais investimentos dos futuros concessionários que o necessário. A outra (BR-262) não deu em nada, pois o governo acertou nos cálculos e seu modelo era, como sempre foi, inviável, apesar de repleto de subsídios fiscais e de crédito, volumosos e casuísticos.

O ceticismo dos críticos é confirmado pelas declarações da zelosa ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, esta semana no jornal Valor. Suas justificativas e sua franqueza evidenciam que, no 11.º ano de governo, o PT não sabe o que fazer com as concessões. Ela chega a dizer que a da BR-101 na Bahia vai ficar por último “a fim de termos uma avaliação melhor”. E continuou: “Se chegarmos à conclusão de que é impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública”. Quantos anos já transcorreram e quantos ainda teremos pela frente até essa terapia infraestrutural de grupo chegar ao fim?

De fato, a área de concessões foi vítima dos preconceitos ideológicos, lenta e envergonhadamente superados – mais por questão de sobrevivência que de convicção; depois, da falta de preparo, conhecimento, planejamento e capacidade executiva. Lembro que as concessões de estradas começaram em 2007, sob o comando da então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Foram tão malfeitas que interromperam a sequência que se pretendia deflagrar. Apesar disso, foram comemoradas pela nação petista e pela imprensa. Era o tremendo sucesso do fracasso. Quase nada de investimentos e zero de novos recursos para o governo gastar em transportes.

Gleisi, por delicadeza, atribuiu o problema ao governo Lula como um todo, dizendo que privilegiou pedágios baixos. Só não mencionou que algumas dessas estradas, antes da concessão, não cobravam pedágios! E, naturalmente, fez o contraponto com o governo FHC, ao qual atribui a realização de concessões que “tinham foco na arrecadação”. Mas que arrecadação? Nos oito anos de governo tucano não foram feitas novas licitações de concessões de estradas. Havia apenas as herdadas do governo Itamar, que projetara a concessão de 8 mil km numa década e levou adiante um pacote de 800 km. Infelizmente, o plano não prosseguiu no governo FHC. O melhor exemplo de concessão do governo Itamar e do seu então ministro dos Transportes, Alberto Goldman, foi a Via Dutra. Igualmente bem-sucedida foi a da Rodovia Ayrton Senna, feita pelo governo de São Paulo, tão satanizada na campanha eleitoral de 2010 pelo PT.

Na área de energia, os descaminhos não são diferentes. O modelo de concessões de petróleo aprovado pelo governo FHC nos anos 1990 funcionava muito bem. As reservas do pré-sal foram descobertas por causa disso. Mesmo para quem aprecia o peso estatal, trata-se de um modelo forte, pois, no limite, via royalties e participações especiais, o governo poderia apropriar-se de até 70% das receitas geradas.

Foi então que, sem nenhum motivo racional, mas movido pelos interesses corporativistas, fisiológicos e eleitoreiros, o governo decidiu, em 2010, implantar um modelo de partilha para novas explorações no pré-sal, obrigando a Petrobrás a deter pelo menos 30% do capital e criando uma nova estatal – Petrosal! -, que controla o comitê gestor de cada campo.

Perdeu-se muito tempo para começar a implantar esse modelo, como se os frutos do petróleo não representassem dinheiro e empregos. Vejam só: no período de janeiro a julho, o déficit comercial brasileiro de petróleo e derivados saltou de US$ 9 bilhões para US$ 20 bilhões, entre 2012 e 2013! Mais ainda, as novas exigências quebraram a Petrobrás, que não tem recursos financeiros, técnicos e operacionais para cumprir suas obrigações. Paralelamente, diga-se, o governo suspendeu ou atrasou concessões mesmo nos campos que pertenciam ao modelo antigo. A troco de quê? De nada!

A recente habilitação de empresas para explorar o campo de Libra, o primeiro do pré-sal sob o modelo de partilha, causou decepção. Após tantos anos sem realizar leilões em áreas exploratórias, o Brasil deixou de ser o foco das atenções do mercado, em busca de novas oportunidades, como a costa africana e a reabertura do mercado mexicano. Em razão dos riscos regulatórios e do excessivo intervencionismo do governo, o modelo afastou grandes empresas mundiais e atraiu estatais estrangeiras, como da China, mais interessada em garantir reservas e abastecimento de petróleo do que em gerar receitas e lucros.

O Fed deu agora um pouco de oxigênio a esse modelo moribundo. Animado, ele sai do leito e ensaia passos do samba-exaltação Ninguém Segura este País. Sou da oposição, mas essa crise não me agrada. A esta altura da vida, sei muito bem que “quanto pior, pior”. E é preciso ter a coragem de dizê-lo.

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