Tem sido traço marcante dos governos petistas ao longo destes dez anos um antirreformismo convicto e conservador. Como é de conhecimento geral, a enorme base parlamentar amealhada por meio da distribuição de benesses nunca teve finalidades funcionais, mas sim eleitorais e intimidatórias.
Agora, premido pela cobrança pública por mudanças capazes de aperfeiçoar o funcionamento da democracia, o governo que trabalhou para enterrar as reformas institucionais sugere uma pactuação para desatar os nós que ele mesmo, por inércia e oportunismo, amarrou.
A reforma política nunca andou porque o PT jamais transigiu em duas questões indigeríveis para os outros partidos: o financiamento público exclusivo, que não corta custos, não impede o caixa dois e ainda transfere ao eleitor a fatura da campanha; e o voto em lista, que tira do cidadão o poder de escolher e de fiscalizar seu parlamentar.
Em geral, os grandes partidos, exceto o PT, defendem o voto distrital como meio de fazer desabar os custos da eleição e, ao mesmo tempo, de tornar a representação política real, transparente e aberta à prestação de contas, na medida em que torna mais objetiva e próxima a delegação de poder.
Circunscrever os candidatos a distritos permite o financiamento exclusivo por doações de pessoas físicas. Melhor ainda seria se restringíssemos as doações a um salário mínimo por doador. Mas como em time que está ganhando não se mexe, a luta do PT até aqui era para nada mudar.
Daí, dividido entre a manutenção do poder e a pressão das ruas por mudança, o governo atropela o Congresso, ignora as lideranças partidárias e anuncia uma constituinte exclusiva para a reforma política, solução abandonada no dia seguinte devido a sua evidente inconstitucionalidade.
De resto, o pacto pela responsabilidade fiscal e combate à inflação chega a ser jocoso. Na saúde, os repasses federais são declinantes e não há reajuste da tabela do SUS há dez anos. O plano da mobilidade foi engavetado pelo próprio Executivo. E oferece recursos que ainda não existem como única saída para a educação. Já sobre a segurança, a presidente se calou.
O governo respondeu ao “chamado das ruas” tirando o corpo fora, o que é decepcionante. Pior: ao invés de chamar para si a condução do processo, preferiu decretar a falência dos procedimentos e das instituições. O recado parece ser este: a democracia vai mal, mas o governo vai bem — quando, na verdade, as ruas mostram justo o contrário.