A Constituição de 1988 é a mais forte e solene afirmação dos direitos e garantias individuais de nossa História. Ao mesmo tempo, agasalha dispositivos que reformularam pela base os papéis do juiz e do Ministério Público no processo, retirando a magistratura da posição passiva, em que antes se tentava mantê-la.
Esse novo contexto gerou uma tensão latente e contínua entre os pólos empenhados, respectivamente, na defesa da ordem pública e dos direitos do cidadão. Ela veio amadurecendo em sucessivos embates judiciais e agora eclodiu, com toda força, durante a investigação que tem como objeto as atividades do empresário Daniel Dantas.
Longe de estarmos diante de uma realidade apocalíptica, o que presenciamos é um entrechoque apaixonado, mas saudável, entre diferentes poderes e órgãos do Estado que buscam demarcar o seu espaço de atuação.
É clássico o ensinamento de Ihering de que o direito é força viva. Ele se constrói e define no embate entre contrários – que é exatamente ao que se está assistindo.
O habeas corpus inicial, concedido ao empresário Daniel Dantas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, em decisão individual (ou monocrática, para usar a linguagem técnica), decorreu das férias dos demais ministros. Seu conteúdo era, em larga medida, previsível.
A polêmica se concentra, por razões de fato e de direito, na segunda libertação de Dantas.
O delegado da Polícia Federal encarregado do caso trabalhou rápido e acrescentou, aos fundamentos da prisão inicial, fortes elementos de prova da suposta tentativa de suborno da autoridade policial. Ao presidente do STF isso não pareceu suficiente.
Algumas correntes petistas vêm tentando convencer a opinião pública de que o episódio é um embate camuflado entre os interesses do PSDB e do PT. Elas buscam, mais uma vez, ludibriar os cidadãos.
São muitos os “companheiros”, bem posicionados no governo e na estrutura petista, interessados em colocar uma pedra sobre as atividades de Dantas. Eles gostariam que a investigação nunca houvesse sido iniciada e que o delegado, o procurador e o juiz que atuam no caso fossem, digamos assim, mais “razoáveis”.
O enfrentamento, oportuno e necessário que presenciamos não é entre dois partidos que combatem, legitimamente, pelo poder. É um duelo entre o velho Brasil da impunidade e o novo modelo do Estado brasileiro definido pela Constituição Cidadã que, enfim, começa a se enraizar na realidade.
Antonio Carlos Pannunzio é deputado federal, ex-líder do PSDB na Câmara, ex-presidente do diretório estadual de São Paulo, membro da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
