Tania Malinski *
Vá com a unidade nacional acima de tudo. Você terá uma chave mágica para entrar e sair em todas as questões.
Com esse conselho, Joaquim Nabuco escreveu ao Barão do Rio Branco, nos primeiros anos de nossa República.
Se podemos nos permitir desejar bons auspícios ao PSDB e à sua candidatura à Presidência, é nesse mesmo quadro de preocupações. Porque o desafio está posto: não cair na armadilha de eleger inimigos. O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso está sempre a nos lembrar que na política se tem adversários, nunca oponentes definitivos. Essa é a política que respeita a livre manifestação da opinião, a liberdade e a vida. Precisamos, sim, estar definitivamente ao lado do Brasil e dos brasileiros, das boas idéias e das boas propostas de governo e pensar que no futuro muitos adversários se convencerão de nosso acerto. Quem já começa identificando inimigos no seio da nação, já começa mal.
O conselho de Joaquim Nabuco espelha aquilo que foi a vida e a obra de Rio Branco: a opção pelo Direito em face da força; o exercício da autoridade em lugar da arbitrariedade; a defesa dos mais fracos em lugar da lei da selva; o esboço de limites de fronteira como garantias de paz no futuro e exercício tranqüilo da soberania. Cada um a seu modo, tanto Nabuco quanto Rio Branco foram verdadeiros estadistas, promotores do Estado e do povo brasileiro, sem deixarem de ser arautos dos direitos e liberdades fundamentais. O laço de Rio Branco com o povo era de intimidade e de fidelidade, dizia-se totalmente idenficado com ele [tanto que sua morte foi capaz de influenciar a data do carnaval no Brasil!]
Nos últimos tempos, sentimos que muitos fenômenos sociais têm-se afastado do que seria propriamente política. Representação de interesses diversos, iconoclastia contra o Estado. E o irônico é que esses mesmos segmentos que colocam em cheque a legitimidade da ação pública estão a clamar por um suposto Estado forte que apenas intuem, não sabem bem o que é.
Entendo perfeitamente que se queira mais estado sob alguns aspectos. Sobretudo as parcelas da população que vivem à mercê de situações marginalizadas precisam de mais Estado. É óbvio que quem não tem acesso a bens públicos quererá um estado mais presente e atuante. Isso apenas confirma que o mercado não dá conta de tudo, o que também não é a tese da social-democracia.
Para o PSDB, a contraposição da liberdade e da igualdade é um falso dilema. A social-democracia se compromete à justa medida da necessidade de ambos valores. Não queremos uma igualdade ao custo de um estado totalitário porque sabemos que essa igualdade é falsa e não precisamos pagar para ver o que é o comprometimento do direito fundamental à liberdade. Muitos países ingressaram por esta avenida e muitos deles, de livre e espontânea vontade, se convenceram do erro a tempo.
Tampouco queremos a liberdade absoluta da lei do mais forte, ainda mais em um país marcado pela desigualdade socioeconômica, pois sabemos que isso significa o desamparo da maior parte da população. O poder público em qualquer país é necessário para garantir a unidade de propósitos, de interesses e de direção. Em um país como o nosso, esse poder público tem a missão adicional de promover a justiça distributiva, mantendo o respeito pela justiça contratual.
Estamos prontos para debater o campo de ação do Estado frente à sociedade, frente ao mercado, frente à imprensa, frente ao chamado terceiro setor. Não há porque temer este debate: o PSDB já demonstrou pelo exemplo que seu alinhamento filosófico produz estadistas, pessoas que representam o interesse nacional, exercem o poder em benefício geral e induzem avanços na sociedade com uma visão de largo prazo e com respeito pelo espaço do direito privado. Nos distanciamos tanto daqueles que confundem serviço público com interesses particulares e minam a autoridade pública quanto dos que se auto-atribuem poderes ditatoriais e criam estados megalomaníacos.
Também precisamos nos preparar para o falso debate da “razão” contra a “emoção”. O apelo emocional gratuito não é o que traz benefícios para o povo. Precisamos resgatar a aliança do racional e do passional, pois nosso povo é passional, mas precisa ter um governo que volte a ter razão e lucidez. A voz das ruas tem um encontro marcado com a competência para governar.
Sérgio Buarque de Holanda descreveu o brasileiro como o ser cordial, formando um povo movido pelo impulso emotivo mais do que por abstrações. O autor de Raízes do Brasil traça nossa especificidade frente ao povo de origem hispânica e ao mesmo tempo adverte: não se fazem bons princípios com a simples cordialidade.
O Presidente Lula encarna perfeitamente esse homem cordial, que se derrama em emoção e entusiasmo. Por isso tornou-se facilmente um produto para o mercado e para o marketing. O que ele simboliza para o povo em termos de expressão popular não é falso. Somos isso mesmo, gostamos de festa junina, da pátria de chuteiras, choramos de emoção, acolhemos indistintamente outros povos. Mas a Presidência é mais que isso. Representação de interesses sim, mas não interesses setoriais. Interesses nacionais e permanentes, e sem abrir mão de princípios de Direito público.
Sérgio Buarque de Holanda diz que a verdadeira revolução no Brasil é uma revolução lenta, que se iniciou com a transferência da população rural para as cidades, que foi substituindo nossas raízes ibéricas pela influência norte-americana, em um movimento que vai do oligárquico ao estatal, do particular ao geral. Sem querer entrar no mérito desta análise, o que ele defende e que eu concordo ao final, é que falta um elemento NORMATIVO ao povo brasileiro. O tal commitment que muitos outros povos conhecem. Compromisso. Visão de que aquilo que é público é de todos e não de ninguém. Res publica, e não res nulius. O desenvolvimento brasileiro está a depender disso, da ampliação da cidadania e da qualificação desta cidadania. A revolução no Brasil é a depuração do processo político de modo a criar um referencial único de cidadania por meio da norma e do valor.
No momento que vivemos, parecem existir duas pautas de valores, uma delas construirá um Brasil forte, a outra irá minguando a autoridade do estado e dividindo a sociedade. A união de todos que querem a grandeza do Brasil é que poderá reestabelecer uma governança dos interesses nacionais por parte de uma equipe comprometida com o país e que também tem sabedoria e visão histórica do processo de desenvolvimento.
O Estado brasileiro não precisa ser refundado. Refundar, no fundo, é destruir. Precisamos, antes, de um resgate do espaço e do poder público no Brasil, como um espaço de nobreza de caráter, de desapego e despreendimento, de serviço a ideais e ao bem co
mum. O respeito à norma o marco normativo de Buarque de Holanda irá se fortalecendo à medida que o povo que sente falta da presença do Estado, for sentindo seus anseios vocalizados e atendidos. Para isso também será exigido do povo: que saiba discernir entre o discurso vazio e as boas práticas e que queira acompanhar o desenvolvimento do Estado.
Desenvolver é mudar a estrutura, mas sem alterar a essência de algo. Desenvolver é acrescentar qualidade e ter um marco de valores como fundamento. O PSDB tem espinha dorsal sim, tem bandeira, tem valores, porque é um agrupamento que parte do que é vertebrado e humano. Não temos verdades acabadas para vender ao povo como ilusão isso é desumano. E estamos tão comprometidos com a justiça e a inclusão como muitos
outros, que esperamos um dia reagrupar numa Unidade nacional, acima de tudo, como dizia Nabuco e como bem defendeu Rio Branco.