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Wagner Moura distorce a reforma da Previdência

Por José Aníbal 

Wagner Moura é um ator competente. Bom profissional de sua arte, tem o poder de convencer o espectador a ver a ficção de novelas, filmes e séries como se fossem a realidade, ainda que sejam uma interpretação dos fatos. Agora, Wagner Moura se propõe a “explicar a reforma da Previdência”, mas parte de premissas equivocadas e participa de um vídeo que é uma obra de ficção. A verdade é que Wagner Moura distorce a reforma da Previdência.

Nas primeiras falas do vídeo, o ator diz que a reforma pretende “acabar com o direito à aposentadoria para milhões de brasileiros e brasileiras”. É exatamente o oposto: as mudanças têm como objetivo principal garantir que o direito à aposentadoria seja preservado e que o governo possa não só honrar esses pagamentos como investir em políticas públicas de saúde, educação, saneamento etc., fundamentais para o combate à pobreza agravada pela pior recessão da história.

A explicação é simples: a Previdência é um sistema de repartição, isto é, os trabalhadores ativos pagam contribuições que custeiam os benefícios dos inativos. Atualmente, o Brasil tem 1 idoso a cada 10 pessoas, mas em 2060 essa proporção será de 3 em cada 10. O problema é que hoje o gasto com a Previdência já é maior do que o total de contribuições, principalmente porque há um excesso de aposentadorias precoces e de alto valor em detrimento da maioria mais pobre, que para de trabalhar mais tarde e recebe o piso do INSS. Manter essas regras é manter privilégios e reduzir o orçamento do governo para as políticas públicas. Não é isso que nem eu nem você queremos, nem deve ser o que Wagner Moura quer. Mas é a intenção camuflada das corporações e dos mandarins da Belíndia, como escrevi recentemente.

Na sequência do vídeo, o roteirista escreve um argumento errado para a fala de Wagner Moura. O ator critica a idade mínima para aposentadoria aos 65 anos – regra que é adotada pela maioria dos países, do Chile ao Canadá, do México à Alemanha – sob a alegação de que no Brasil “muitos morrem antes disso” e de que a expectativa de vida em estados do Norte e Nordeste e nas periferias das grandes cidades “está abaixo dos 65 anos”. O certo, ao discutir a Previdência, é falar de expectativa de vida após a aposentadoria, que são os anos em que a pessoa vai efetivamente usufruir do benefício. Hoje, segundo o mesmo IBGE que calcula os dados citados por Wagner Moura, em média o brasileiro que tem 65 anos vive mais 18,4 anos – ou seja, falar que “vão transformar o INSS numa funerária” é coisa de fanfarrão.

E por que se usa a expectativa de vida aos 65 anos, e não a de nascimento? Imagine um país com duas pessoas, sendo que uma morre acidentalmente aos 20 anos e outra vive até os 100 anos. A expectativa ao nascer desse país seria de 60 anos (20 + 100 = 120, 120 / 2 = 60), mas a expectativa de sobrevida aos 65 anos é de 35 anos. Como bem explicou o colunista Hélio Schwartsman, não faz sentido usar a expectativa de vida ao nascer porque bebês não se aposentam.

O roteirista de Wagner Moura deveria pedir para sair depois dessa, mas ele insiste em colocar o ator em saia-justa. O argumento seguinte é o de que “é justo que as mulheres se aposentem antes”, porque o Brasil “ainda é um país machista”. Sim, ainda há machismo no país, e precisamos combatê-lo diariamente, lutando pela igualdade de salários, pelo compartilhamento das tarefas domésticas entre homens e mulheres. Por isso, não negamos distorções como dupla ou até tripla jornada das mulheres, e também vemos que há um caminho para a redução da desigualdade salarial entre as trabalhadoras mais jovens. Por isso, discutimos um período de transição para esse ponto da reforma.

O grand finale às avessas de Wagner Moura é questionar o cálculo progressivo proposto na reforma. O ator acredita que “isso representa o fim do direito à aposentadoria para a maior parte da população brasileira e uma redução drástica da aposentadoria dos que sobrarem”. De que “maior parte” ele está falando? Hoje, quase 69% dos segurados do INSS ganham até 1 salário mínimo e não serão submetidos à regra do cálculo proporcional. Os demais já recebem, em média, 70% do salário de contribuição. Quem hoje recebe aposentadoria integral pelo último salário são funcionários públicos, cujo custo per capita anual só no âmbito da União é de R$ 74.141, quase três vezes mais do que um trabalhador comum ganha ao longo de um ano inteiro. Ou seja, a reforma propõe um sistema mais justo e igualitário, e as críticas, no fundo, mascaram a defesa desse tipo de privilégio.

É bom que pessoas inteligentes como Wagner Moura participem e não tenham medo de conhecer melhor a reforma da Previdência. O debate joga luz à realidade dos fatos e desnuda distorções e interpretações que parecem sérias, mas no fundo são mera história da carochinha.

 

José Aníbal é presidente do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.

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