Por Fernando Henrique Cardoso
O mundo passa por um mau momento: não é só a pandemia, é a aflição do amanhã. Olhando em volta, pouco se vê, a não ser a preocupação com a sobrevivência e o pouco ânimo com as doenças. E não é para menos.
Apesar disso, enquanto estivermos por aqui é melhor, se não der para agir, pelo menos sonhar. O pior é que se nos envolvermos muito com o dia a dia, mesmo no sonho, o que há é pesadelo. Principalmente se no devaneio aparecer a política. Mas vamos lá…
Nosso presidente não decepciona, atua como se nada houvesse de grave… Mesmo eu, que, por motivos óbvios, prefiro não falar dos incumbentes, de vez em quando tenho vontade. Não é possível tratar a epidemia como se nada se tivesse que ver com ela. Todos temos. Com mais forte razão quem deveria cuidar de nosso bem-estar. Não vou exagerar: cada indivíduo precisa cuidar-se. E a crise de saúde não é “culpa do governo”. Fizesse o que fizesse o governo, o vírus estaria pronto a atacar.
Mas daria para ter um pouco mais de cuidado. Se a ação for pouco responsável, que pelo menos as palavras sejam cuidadosas. Não é o que se vê.
Deixemos de lado, contudo, o modo de ser e falar. Esqueçamos mesmo o aspecto médico-hospitalar da crise atual, não dá para deixar de lado o óbvio: a recuperação da economia demandará tempo e precisa de ação. Já.
Vejo declarações de que a recuperação econômica será breve. Confesso que as leio com preocupação. Com base em quê? Talvez, mas por enquanto se trata mais de uma aposta do que de uma verificação baseada em dados ou na experiência. Ainda que seja essa a tendência, o que sentirão os desempregados que escutam, sem ter poder de decisão, que o futuro será promissor e a recuperação será em breve?
Um pouco de empatia e solidariedade não faz mal a ninguém. E em nosso meio, se não dá para curar, que pelo menos se mostre preocupação com o que está acontecendo. Tomara que a recuperação da saúde e a do bem-estar venham depressa. Para tanto, mais do que nunca, é preciso vacinar. Vacina boa é a vacina no braço das pessoas. Há, portanto, que buscá-las, literalmente custe o que custar. Mas enquanto não vêm, que pelo menos os que têm autoridade falem com mais compaixão e atuem com maior discernimento.
Parece que na Ásia, Japão, Coreia do Sul e China à frente, o mal-estar sanitário vai passando sem tantas vítimas (isso se não olharmos para a Índia…). Por quê? Possivelmente o próprio povo aprendeu a se cuidar, mas não terá sido só por isso. As autoridades também colaboraram. Além da vacinação em massa, os asiáticos e os europeus investiram em testagem, identificação e isolamento dos doentes. Nesse ponto também estamos mais do que atrasados. Se não sabemos muito bem as causas, tratemos de estudar as experiências bem-sucedidas e aplicar seus ensinamentos.
A ignorância ou a inação diante dos efeitos do coronavírus sobre as pessoas, a sociedade, o emprego e a renda dos que mais precisam é mal de custosa cura. Custosa em termos do número de vítimas diretas causadas pela moléstia e das indiretas, se considerarmos os muitos que são vítimas da retração econômica.
É só andar pelas ruas ou ler os jornais para ver quantas lojas, quantos restaurantes e mesmo empresas produtivas não estão trabalhando; ao voltarem à ativa, as que voltarem, precisarão de apoio financeiro e de governos. É isso que aumenta a preocupação: a falta de previsão sobre ações de apoio, além da realidade do vírus.
Sei que os atuais governantes foram eleitos e acho que o voto deve ser respeitado. Já tivemos alguns impeachments e a experiência deixou um sabor amargo em muitos. Por isso mesmo, em vez de pregar tal método, prefiro bater em outra tecla: já que o governo parece não dar a devida atenção à crise de saúde, que pelo menos dê à saúde econômica. Ainda que movido pelo afã (vão, torço eu) da reeleição, que pelo menos atue logo para evitar que a crise econômica nos atinja por muito tempo.
É disso que precisamos. De governos (e há bons exemplos estaduais e locais) que, além de falar, prevejam e atuem para, pelo menos no âmbito de suas ações, a sociedade não ter de pagar futuramente preços tão elevados. Graças ao SUS temos um sistema de saúde eficiente. O trabalho de nossos médicos e cientistas nos orgulha e alenta. Aprendemos a bem cuidar e a vacinar. Usemos plenamente o conhecimento adquirido. Mas não descuidemos da vida produtiva. Enquanto há tempo.
Reitero: de imediato as pessoas querem salvar-se, por isso mesmo as ações de saúde pública são indispensáveis. Distanciamento social, uso de máscaras, higiene das mãos, ventilação dos ambientes fechados salvam vidas. Cada um que se cuida também cuida dos outros. Mas, tão logo terminem essas aflições, quererão viver: com pouco trabalho e a renda diminuída, a insatisfação poderá aumentar. Se não fosse isso – o que de si já é importante para quem manda –, é obrigação pública cuidar de melhorar as condições de vida do povo e o crescimento do País. Não há desculpas, pois, para a imprevidência. A saúde e o bolso, ambos são indispensáveis.