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O plano contra o crack

O Estado de S.Paulo

O lançamento de mais um programa de combate às drogas mostra como o governo da presidente Dilma Rousseff formula políticas públicas. Ao anunciar o programa, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou que o consumo de crack ganhou proporções epidêmicas e é um problema equivalente ao da aids, nos anos 80. “No conceito técnico, estamos diante de uma epidemia de crack”, afirmou.

Dois meses atrás, porém, o coordenador de doenças mentais do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, afirmou que não havia dados estatísticos que permitissem classificar o aumento do uso de crack como epidemia. E, no primeiro semestre, quando anunciou que a Fiocruz faria um levantamento sobre consumo de drogas, a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, rebateu a ideia de epidemia e classificou como “pedagogia do terror” as campanhas contra o consumo de crack. “O que se tem no imaginário popular é que o Brasil está tomado pelo crack. Não há um exército de zumbis consumindo num só lugar, mas pequenas ‘cenas de uso’ (…). Combatem-se essas ‘cenas’ com atendimento na rua, não com abordagem higienista, de recolher usuários.”

Além dessas declarações conflitantes, o programa de combate ao crack pouco tem de original. Ele adota como linhas mestras – mas com nomes diferentes – os mesmos três eixos do programa lançado em maio do ano passado pelo presidente Lula. A diferença é que o programa de Lula previa R$ 420 milhões – dos quais só R$ 90 milhões foram efetivamente aplicados. Já o programa de Dilma conta com um orçamento de R$ 4 bilhões.

A medida mais polêmica do programa – a internação compulsória de viciados – foi inspirada em políticas já adotadas pelas prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo – esta última com base jurídica mais consistente. Considerando que toxicômanos são civilmente incapazes, podendo ser levados à avaliação de médicos mesmo contra a vontade, a Prefeitura de São Paulo implantou em 2009 um programa de recolhimento – com autorização judicial – de dependentes de crack, inclusive menores. A iniciativa conta com o apoio de promotores e juízes. Ela já propiciou 11 mil encaminhamentos médicos e 2.180 internações consentidas, mas a internação compulsória ainda não foi efetivamente posta em prática.

O programa de Dilma prevê a ampliação dos leitos para dependentes e atendimento de 24 horas – o que já constava do plano adotado por Lula. Também prevê a elevação de 92 para 308 do número dos consultórios de rua – equipes de médicos, psicólogos e assistentes sociais para abordar os usuários -, a criação de enfermarias especializadas nos hospitais do SUS e reforço das polícias. É de estranhar, porém, a ausência de medidas para reprimir o tráfico e cortar o abastecimento de drogas aos dependentes.

O programa não foi bem recebido nem por médicos nem por criminalistas. Alguns especialistas afirmaram que o governo fixou metas sem bases estatísticas, pois a pesquisa da Fiocruz ainda não foi concluída. Outros especialistas advertiram para os riscos de se internar viciados em crack em hospitais do SUS, que não estão preparados para lidar com eles. Como o programa prevê repasse de recursos para “comunidades terapêuticas” vinculadas a ONGs e Igrejas, há também quem receie a criação de novas fontes de desvio de dinheiro público. A crítica mais importante é a que aponta a distância entre a magnitude do problema e o que o governo oferece, em matéria de atendimento e de leitos em clínicas para dependentes.

Evidentemente, 308 consultórios de rua são insuficientes para um país como o Brasil, que tem cerca de 1,2 milhão de usuários de crack, consumindo uma tonelada da droga por dia, segundo a Polícia Federal. Em todo o País, existem apenas 2,5 mil leitos para dependentes e o Conselho Federal de Medicina estima serem necessários 10 mil. “Há melhorias no programa, mas ele ainda parece uma carta de intenções”, diz Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo.

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