Ney Vilela*
Eleições de 03 de outubro de 1955. O que todos previam, inclusive os udenistas, aconteceu: Juscelino e Jango foram os vencedores, com cerca de 36% dos votos. O candidato da UDN foi fragorosamente derrotado, ficando em terceiro lugar, abaixo de Ademar de Barros.
Café Filho, presidente em exercício, estava entre dois fogos: de um lado, a sua consciência democrática e o dever de dar posse ao candidato eleito; e de outro o seu ministério udenista, que pressionava por um golpe.
Um discurso, proferido pelo coronel Bizarria Mamede, no enterro do General Canrobert Pereira da Costa, precipitou os acontecimentos.
General Canrobert, aqui estamos, camaradas e amigos do Clube Militar, à beira de seu túmulo recém-aberto. Não será por acaso indiscutível mentira democrática um regime presidencial que, dada a enorme soma de poder que concentra em mãos do Executivo, possa a vir a consagrar, para a investidura do mais alto mandatário da nação, uma vitória da minoria” A vigilância por parte dos chefes militares será indispensável, muitas vezes, para prevenir dias amargos para o povo e evitar a desordem pública e a derrocada nacional.
O Marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott que, por dever de ofício, comparecera ao enterro, empalideceu. Aquilo era um apelo à sedição! O Marechal Lott, ministro da Guerra, em toda a sua carreira militar sempre fora apolítico, legalista, partidário da ordem e da disciplina militar.
Decidiu punir o coronel. Mas este era membro do Estado Maior, organismo subordinado diretamente à Presidência. Só o presidente poderia puni-lo ou, pelo menos, dar licença para que o ministro o fizesse.
Marechal Lott tentou entrevistar-se com Café Filho. Mas o presidente sofria de uma curiosa doença que era afetada pelos altos e baixos da situação política: quando esta se agravava, seu estado de saúde piorava. Sentindo-se muito combalido, Café Filho licencia-se, entregando o poder ao seu substituto legal, o presidente da Câmara, Sr. Carlos Luz.
Precisando resolver o caso do Coronel Mamede, Carlos Luz decide contra o ministro da Guerra. Enquanto isso, pelos jornais, Carlos Lacerda apela abertamente para o golpe: Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, nem tomarão posse, era a manchete do jornal Tribuna da Imprensa, em 09 de novembro de 1955.
Entre os que apoiavam Carlos Lacerda estavam os remanescentes da República do Galeão (oficiais da aeronáutica), o Clube da Lanterna, dirigido por Amaral Neto (que os inimigos teimavam em chamar de Amoral Nato), a Cruzada Anticomunista do Almirante Pena Boto e os oficiais militares da Cruzada Democrática.
Quando o presidente Carlos Luz informa que não permitiria a punição do Coronel Mamede, o Marechal Lott pede, verbalmente, demissão de seu cargo de ministro da Guerra.
Mas ao chegar ao lar, sob pressão de colegas de armas e de sua própria consciência, por temer um golpe anticonstitucional e ao mesmo tempo sentindo no ato do presidente um acinte à disciplina do exército, o Marechal Lott toma uma decisão.
Em vez de mandar sua demissão por escrito, demite o presidente. E em vez da carta, manda-lhe alguns tanques. Estávamos na manhã de 11 de novembro.
Carlos Luz e Carlos Lacerda tentaram resistir, embarcando num navio de guerra, onde pretendiam estabelecer um governo flutuante. Em vão. O Congresso, extraordinariamente convocado, considera o presidente impedido, dando posse ao seu substituto legal, o presidente do senado, Nereu Ramos (PSD – SC).
Todos os postos chaves do governo e das forças armadas já se achavam em mãos do Marechal Lott e seus amigos. Estava finda a batalha. Juscelino Kubitschek podia tomar posse na data indicada pela Constituição, 31 de janeiro de 1956.
Este episódio é exemplar: nele, o Marechal Lott mostra que, para respeitar a Constituição, um militar legalista tem o dever de derrubar presidentes que ousam burlar o espírito constitucional. Se não fosse pelo Marechal Lott, Juscelino Kubitschek não chegaria à Presidência.
Minha visão, sobre a ação do Marechal Lott no episódio de defesa da posse de JK, é positiva e idêntica a de muitos intelectuais esquerdistas que assessoram o atual presidente brasileiro, Lula da Silva. Sinto-me, portanto, no direito de cobrar a esses intelectuais, coerência: é evidente que os militares hondurenhos agiram com os mesmos objetivos do Marechal Lott, ao derrubar Manuel Zelaya. A pergunta é: por que esses intelectuais (como Marco Aurélio Garcia) que saudaram o comportamento do Marechal Lott, em seus artigos acadêmicos, chamam os militares hondurenhos de golpistas”
* Professor de História Contemporânea da USC e Coordenador Regional do Instituto Teotônio Vilela