Publicado no jornal O Estado de S. Paulo no domingo, 17/03/2013
Arminio Fraga, sócio-fundador da gestora de recursos Gávea e ex-presidente do Banco Central durante o governo FHC, criticou de forma dura e detalhada o modelo econômico da presidente Dilma Rousseff. Simpatizante do PSDB, ele vem conversando com Aécio Neves, apontado como provável candidato tucano nas eleições presidenciais de 2014. A seguir, a entrevista para o Estado:
Como o sr. vê a queda do investimento em 2012?
É um quadro frustrante. A taxa de investimento, que já era baixa, caiu, e o crescimento (do PIB) foi abaixo de 1%. Ao mesmo tempo, temos um mercado de trabalho bem aquecido. Um quadro que claramente aponta para problemas na área de oferta. É particularmente preocupante quando se leva em conta que o BNDES cresceu muito o seu ativo, e no entanto o investimento agregado caiu.
Por que a expansão do BNDES não aumentou o investimento?
Algum aumento deveria acontecer, sim. O caso é que uma quantidade desses recursos, difícil de quantificar, pode estar substituindo outras fontes de financiamento de projetos que, eventualmente, teriam ocorrido de qualquer maneira. É um sinal de que tem alguma coisa errada. As condições para o investimento não estão dadas. Há problemas em infraestrutura, mão de obra qualificada, estrutura tributária, burocracia, qualidade da regulação.
O que está por trás disso?
Houve uma mudança importante, uma guinada, a partir do segundo mandato do presidente Lula, para este modelo mais centralizado. É um quadro em que falta investimento, produtividade e educação, que vem lentamente melhorando. Mas a carência hoje de profissionais qualificados é enorme, em todos os níveis: tanto PhD quanto o trabalhador de obra mais especializado. Temo que estejamos vendo o desenrolar de um modelo que conhecemos, porque vivemos isso, na década de 70. Mas que talvez não seja o melhor modelo para sairmos de 20% da renda per capita dos países ricos para 100%, o que deveria ser a nossa meta. Não vejo um modelo hoje capaz de nos dar um crescimento de 5% a 6%, que um país tão distante da fronteira global deveria ter.
O sr. poderia detalhar a crítica?
Estamos seguindo um modelo com ênfase enorme do Estado como tomador de risco e até como produtor. Uma visão de que o Brasil não precisa estar tão integrado à economia mundial. Há sinais claros de protecionismo espalhados em toda a parte, subsídios, barreiras à importação, etc; e pouca ênfase, portanto, a temas maiores ligados à produtividade. Há também uma crise de infraestrutura. Estamos buscando respostas, mas ainda longe de resolver.
A que o sr. se refere quando diz que o Estado está tomando mais riscos?
O Estado se transformou num enorme intermediário financeiro e já não é de hoje. O BNDES já há algum tempo não consegue financiar seus programas todos só com o FAT e os recursos tradicionais. E a história universal do Estado como intermediário financeiro, por melhor que seja o Estado, é bastante preocupante. No setor ferroviário, além de bancar boa parte do trem-bala, o novo arcabouço põe no Estado boa parte do risco de investimento. Os incentivos são um pouco diferentes entre o Estado e o setor privado. O Estado olha o retorno social das coisas, mas talvez sem o foco nos riscos, que o setor privado naturalmente tem.
Como está a relação do governo e o setor privado?
Mesmo quando o governo tenta se aproximar, há problemas. As duas MPs, do setor elétrico e dos portos, sem entrar no mérito em si, são algo que caiu do céu. Eu me pergunto, por que MPs? A obrigação do governo é ser desconfiado, já passei por lá, mas ele tem de dar as respostas pensando na sociedade e na economia como um todo, e tomar cuidado para não dar respostas pontuais que acabam sendo boas apenas para empresas ou setores específicos.
Qual o exemplo?
Quantos pacotes nós vamos fazer para a indústria automobilística? Quantos pacotes já foram feitos nos últimos 30, 40 anos? Não é assim que se resolve o problema. Ou a indústria automobilística brasileira se encaixa nas cadeias produtivas globais dentro dos melhores padrões, ou vamos ficar apoiando sempre. E isso é bom pra quem? A curto prazo, para as empresas do setor e seus funcionários, mas para a economia como um todo não funciona. O governo, a meu ver corretamente, tenta se aproximar do setor privado, ouvir os problemas, mas filtra mal o que é preciso fazer.
E o que o sr. faria?
Não é para dar respostas pontuais, salvo em casos em que o governo consiga justificá-las de maneira muito bem fundamentada. Senão, acho que o precioso dinheiro público deveria ser distribuído de forma muito mais horizontal, mais eficiente e que distorcesse menos. O País ganharia muito mais eliminando um número colossal de distorções no sistema tributário, nas alíquotas de importação, para dar dois exemplos.
Qual deveria ser o papel do BNDES?
Não acho que o banco vá perder dinheiro. É uma questão de custo de oportunidade. Será que o governo é melhor que o setor privado para intermediar a maioria dos casos? Não. Ele não tem os incentivos para isso. Acho que o BNDES poderia se focar onde genuinamente existe falha de mercado e problemas de coordenação, como pesquisa e áreas onde faltam recursos acessíveis de longo prazo. E deixar o resto na mão do mercado, para que corra risco, seja obrigado a se desenvolver.
Como o sr. vê a atual política macroeconômica e o chamado tripé (câmbio flutuante, metas de inflação e altos superávits primários)?
O tripé está fragilizado. Não foi abandonado, mas está sendo administrado de maneira mais flexível do que no passado, e isso me preocupa.
Não é uma tendência global?
É verdade que as políticas macroeconômicas do mundo deram uma guinada nessa direção também, de exigir mais dos bancos centrais, de acomodar mais as pressões orçamentárias, principalmente em países em recessão. Não se recomenda tanto uma política de austeridade nesses casos. Quando é possível, não ter, porque há países que perdem acesso (aos mercados). Se abusar desse tipo de política, você acaba não conseguindo ir ao mercado na hora em que precisa. Tem de tomar cuidado com isso. Em tempo de vacas gordas, precisa acumular bastante gordura para poder fazer esse tipo de coisa na hora da crise. Há um contexto de grande efervescência intelectual e prática e o Brasil está metido nisso.
E é bom que o Brasil esteja envolvido com isso?
Para um País com a nossa história, meio bagunçada na área macro, me preocupa essa flexibilização. Em todas as suas dimensões, mas especialmente no que diz respeito à inflação e orçamento.
E o câmbio?
Nesse caso, eu acho que o governo acumulou reservas, tentou defender um pouco, mas não tem sido a minha maior fonte de preocupação. Eu acredito que o real teria se depreciado alguma coisa mesmo que o governo não tivesse entrado firme como entrou em período recente. Acho que talvez o governo tenha conseguido que o real andasse 5% a 10% a mais do que teria andado.
E quanto ao resto do tripé?
Me preocupa a inflação, me preocupa ver o governo dando respostas pontuais. E agora já faz isso com um histórico suficiente para ver que é parte da estratégia.
O que o sr. chama de resposta pontual?
Segurar o preço da Petrobrás, desonerar aqui, ali. No caso do protecionismo, agora ficou meio confuso, porque, de um lado, o governo quis proteger alguns setores e, do outro, ameaça e não quer ver esses preços subirem. Mas protecionismo existe exatamente para permitir que os preços subam. E nada disso, a meu ver, resolve a questão da inflação subjacente, de onde ela vem, que é um problema de oferta, com o mercado de trabalho aquecido, e também com expectativas um pouco desancoradas. Eu vi positivamente a referência que o Banco Central fez, não nesta ata, mas na anterior, aos problemas de oferta. E, agora nesta ata, um pouco mais de preocupação, mas o Banco Central ainda não sinalizando muito o que vai fazer.
A comunicação está ruim?
Eu nem sou a favor de o Banco Central ficar sinalizando tanto. Esse modismo existe mais lá fora, porque eles estão com o juro zero, e é uma situação muito ruim ficar com juro negativo. Então eles ficam tentando convencer as pessoas que o juro vai ficar zero por muito tempo. É o que dá para fazer lá, mas aqui nós não temos esse problema. Nosso juro ainda é muito alto, dá para subir, dá para descer.