Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, tem contratos bilionários com o governo. Ele é apontado como o chefe do clube dos empreiteiros investigados pela Operação Lava-Jato e contratante das palestras do ex-presidente Lula. Desde a sua prisão, em novembro passado, ele ameaça contar em detalhes como petistas e governistas graúdos se beneficiaram do maior esquema de corrupção da história brasileira. Nos últimos meses, Pessoa pressionou os detentores do poder — por meio de bilhetes escritos a mão — a ajudá-lo a sair da cadeia e livrá-lo de uma condenação pesada. Ao mesmo tempo, negociava com as autoridades um acordo de delação premiada, em que se oferecia para revelar o muito que testemunhou graças ao acesso privilegiado aos gabinetes de Brasília. O Ministério Público queria extrair dele todos os segredos da engrenagem criminosa que desviou pelo menos 6 bilhões de reais dos cofres públicos. Essa negociação arrastada e difícil acabou na última semana, quando o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou o acordo de colaboração firmado entre o empresário e os procuradores.
VEJA teve acesso aos termos desse acerto. O conteúdo é demolidor. As confissões do empreiteiro deram origem a quarenta anexos recheados de planilhas e documentos que registram o caminho do dinheiro sujo. Em cinco dias de depoimentos prestados em Brasília, Pessoa descreveu como financiou campanhas à margem da lei e distribuiu propinas. Ele disse que usou dinheiro do petrolão para bancar despesas de dezoito figuras coroadas da República. Foi com a verba desviada da estatal que a UTC doou dinheiro às campanhas de Lula em 2006 e de Dilma em 2014. Foi com ela também que garantiu o repasse de 3,2 milhões de reais a José Dirceu, uma ajudinha providencial para que o mensaleiro pagasse suas despesas pessoais. A UTC ascendeu ao panteão das grandes empreiteiras nacionais nos governos do PT. Ao Ministério Público, Pessoa fez questão de registrar que essa caminhada foi pavimentada com propinas. Altas somas. O empreiteiro delatou ao STF essas somas que entregou aos donos do poder, segundo ele, mediante achaques e chantagens. Relatou que teve três encontros em 2014 com Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma e atual ministro de Comunicação Social. Nos encontros, disse, ironicamente, ter sido abordado “de maneira bastante elegante”. Contou ele: “O Edinho me disse: “Você tem obras na Petrobras e tem aditivos, não pode só contribuir com isso. Tem que contribuir com mais. Eu estou precisando””. A abordagem elegante lhe custou 10 milhões de reais, dados à campanha de Dilma. Um servidor do Palácio chamado Manoel de Araújo Sobrinho acertou os detalhes dos pagamentos diretamente com Pessoa. Documentos entregues pelo empresário mostram que foram feitos dois depósitos de 2,5 milhões de reais cada um, em 5 e 30 de agosto de 2014. Depois dos pagamentos, Sobrinho acertou com o empreiteiro o repasse de outros 5 milhões para o caixa eleitoral de Dilma. Pessoa entregou metade do valor pedido e se comprometeu a pagar a parcela restante depois das eleições. Só não cumpriu o prometido porque foi preso antes. Doar para campanhas não é crime, desde que a operação seja declarada e os recursos tenham origem lícita. Foi assim? Pessoa deixou claro que não. “O senhor tem obras no governo e na Petrobras. O senhor quer continuar tendo?”, disse-lhe Edinho Silva. Fica a indagação para a Justiça: ameaçar doadores de campanha é lícito?
Senha: tulipa?…
Contasenha: caneco!
A campanha de Lula à reeleição recebeu dinheiro sujo das empreiteiras envolvidas no petrolão
Em 2006, Lula conquistou um novo mandato ao derrotar, em segundo turno, o tucanoGeraldo Alckmin. Com a vitória, ele adotou como prática zombar dos efeitos eleitorais do mensalão, descoberto um ano antes e até então o maior esquema de corrupção política da história do país. As denúncias de compra de apoio parlamentar, dizia o líder petista, não haviam sido capazes de conter o projeto de poder do partido. Também pudera. Sem que ninguém soubesse, na campanha à reeleição, Lula contou com a ajuda do petrolão e recebeu uma bolada desviada dos cofres da Petrobras. Segundo o empreiteiro Ricardo Pessoa, a UTC contribuiu com 2,4 milhões de reais em dinheiro vivo para a campanha à reeleição de Lula, numa operação combinada diretamente com José de Filippi Júnior, que era o tesoureiro da campanha e hoje trabalha como secretário de Saúde da cidade de São Paulo. Para viabilizar a entrega do dinheiro e manter a ilegalidade em segredo, o empreiteiro amigo de Lula e o tesoureiro do presidente-candidato montaram uma operação clandestina digna dos enredos rocambolescos de filmes sobre a máfia.
Pessoa contou aos procuradores que ele, o executivo da UTC Walmir Pinheiro e um emissário da confiança de ambos levavam pessoalmente os pacotes de dinheiro ao comitê da campanha presidencial de Lula. Para não chamar a atenção de outros petistas que trabalhavam no local, a entrega da encomenda era precedida de uma troca de senhas entre o pagador e o beneficiário. Ao chegar com a grana, Pessoa dizia “tulipa”. Se ele ouvia como resposta a palavra “caneco”, seguia até a sala de Filippi Júnior. A escolha da senha e da contrassenha foi feita por Pessoa com emissários do tesoureiro da campanha de Lula numa choperia da Zona Sul de São Paulo. Antes de chegar ao comitê eleitoral, a verba desviada da Petrobras percorria um longo caminho. Os valores saíam de uma conta na Suíça do consórcio Quip, formado pelas empresas UTC, lesa, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, que mantém contratos milionários com a Petrobras para a construção das plataformas P-53, P-55 e P-63. Em nome do consórcio, a empresa suíça Quadrix enviava o dinheiro ao Brasil. A Quadrix também transferiu milhares de dólares para contas de operadores ligados ao PT.
Pessoa entregou aos investigadores as planilhas com todas as movimentações realizadas na Suíça. Os pagamentos via caixa dois são a primeira prova de que o ex-presidente Lula foi beneficiado diretamente pelo petrolão. Até agora, as autoridades tinham informações sobre as relações lucrativas do petista com grandes empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato, mas nada comparável ao testemunho e aos dados apresentados pelo dono da UTC. Depois de deixar o governo, Lula foi contratado como palestrante por grandes empresas brasileiras. Documentos obtidos pela Polícia Federal mostram que ele recebeu cerca de 3,5 milhões de reais da Camargo Corrêa. Parte desse dinheiro foi contabilizada pela construtora como “doações” e “bônus eleitorais” pagos ao Instituto Lula. Conforme revelado por VEJA, a OAS também fez uma série de favores pessoais ao ex-presidente, incluindo a reforma e a construção de imóveis usados pela família dele. UTC, Camargo Corrêa e OAS estão juntas nessa parceria. De diferente entre elas, só as variações dos apelidos, das senhas e das contrassenhas. “Brahma”, “tulipa” e “caneco”, porém, convergem para um mesmo ponto.
O homem do “pixuleco”
Homem do dinheiro, João Vaccari Neto é citado em diferentes trechos da delação de Ricardo Pessoa. O tesoureiro do PT aparece cobrando propina, recebendo propina, tratando sobre propina. O empreiteiro contou que conheceu Vaccari durante o primeiro governo Lula, mas foi só a partir de 2007 que a relação entre os dois se intensificou. Por orientação do então diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, um dos presos da Operação Lava-Jato, Pessoa passou a tratar das questões financeiras da quadrilha diretamente com o tesoureiro. A simbiose entre corrupto e corruptor era perfeita, a ponto de o dono da UTC em suas declarações destacar o comportamento diligente do tesoureiro: “Bastava a empresa assinar um novo contrato com a Petrobras que o Vaccari aparecia para lembrar: “Como fica o nosso entendimento político?””. A expressão “entendimento político”, é óbvio, significava pagamento de propina no dialeto da quadrilha. Aliás, propina, não. Vaccari, ao que parece, não gostava dessa palavra.
Como eram dezenas de contratos e centenas as liberações de dinheiro, corrupto e corruptor se encontravam regularmente para os tais “entendimentos políticos”. João Vaccari era conhecido pelos comparsas como Moch, uma referência à sua inseparável mochila preta. Ele se tornou um assíduo freqüentador da sede da UTC em São Paulo. Segundo os registros da própria empreiteira, para não chamar atenção, o tesoureiro buscava “as comissões” na empresa sempre nos sábados pela manhã. Ele chegava com seu Santa Fé prata, pegava o elevador direto para a sala de Ricardo Pessoa, no 9Q andar do prédio, falava amenidades por alguns minutos e depois partia para o que interessava. Para se proteger de microfones, rabiscava os valores e os porcentuais numa folha de papel e os mostrava ao interlocutor. O tesoureiro não gostava de mencionar a palavra propina, suborno, dinheiro ou algo que o valha. Por pudor, vergonha ou por mero despiste, ele buscava o “pixuleco”. Assim, a reunião terminava com a mochila do tesoureiro cheia de “pixulecos” de 50 e 100 reais. Mas, antes de sair, um último cuidado, segundo narrou Ricardo Pessoa: “Vaccari picotava a anotação e distribuía os pedaços em lixos diferentes”. Foi tudo filmado.
Propina de 15 milhões
Foi quanto a UTC pagou ao PT por um único contrato na Petrobras
Uma parte da delação premiada de Ricardo Pessoa se dedica exclusivamente ao sistema de arrecadação de propina montado por João Vaccari Neto, que está preso em Curitiba sob a acusação de operar a coleta do “pixuleco” que as empreiteiras do petrolão reservavam ao partido do governo. O empreiteiro conta que só por uma única obra da Petrobras, a construção do Comperj, no Rio de Janeiro, a UTC destinou nada menos que 15 milhões de reais ao caixa clandestino do PT. Pessoa diz que o pagamento da propina era condição para que a empreiteira fosse escolhida para tocar o empreendimento. O Comperj, um complexo petroquímico projetado para ampliar a capacidade de refino da Petrobras, começou a ser construído em 2006. Foi orçado inicialmente em 6,1 bilhões de dólares, mas a conta já passa de 30 bilhões — e não há nem sinal de quando vai funcionar. O pacote de obras foi dividido. A UTC de Ricardo Pessoa ficou com o maior contrato, de 11,5 bilhões de reais, em consórcio com a Odebrecht e com a japonesa Toyo.
Pessoa contou também aos investigadores que o pagamento das “comissões” ficou a cargo dos integrantes do consórcio. A UTC foi encarregada de pagar ao PT. A Odebrecht, segundo ele, ficou responsável pelo suborno aos políticos do Partido Progressista (PP), representado nas negociações pelo então diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e pelo doleiro Alberto Youssef. Os pagamentos de propina ao PT não se limitavam ao período eleitoral. Eram feitos, segundo o empreiteiro, “de modo contínuo”, seja por meio de doações oficiais, seja por repasses de dinheiro vivo. Nessa segunda modalidade, a transação era pilotada diretamente com Vaccari nos encontros realizados na sede da UTC e retratados na reportagem anterior. Nos documentos que anexou ao processo, Ricardo Pessoa incluiu vídeos das câmeras de segurança da empresa que colocam o tesoureiro petista na cena do crime.
As planilhas em poder do Ministério Público demonstram que os repasses eram cuidadosamente contabilizados pelo empreiteiro, como se fosse uma conta-corrente. Havia a coluna dos “créditos” que o tesoureiro recebia como propina das obras da Petrobras e a dos “débitos” com as deduções de pagamentos solicitados por Vaccari ou pelo PT, como as “consultorias” fajutas do ex-ministro José Dirceu (veja a reportagem ©). Sob o título “JVN-PT” (João Vaccari Neto-PT), o documento traz valores pagos entre 2008 e 2013. Pessoa também informou os números dos telefones celulares a que Vaccari costumava atender — e listou encontros em hotéis de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde se reuniu com o petista para tratar do rateio da propina. “Nas principais obras da Petrobras existia um arranjo entre empresas concorrentes, que funcionava por intermédio de um pacto de não agressão e de fixação de prioridades na obra.” O empreiteiro disse que pagava a propina ao PT para “evitar dificuldades no futuro e para manter a engrenagem funcionando”.
5 milhões
O preço de uma CPI
Foi quanto Gim Argello cobrou para “matar” a CPI da Petrobras em 2014
Quando parlamentares se empenharam em criar uma CPI para investigar denúncias de corrupção na Petrobras, em meados do ano passado, todos sabiam o potencial de destruição que o caso tinha. Instalada no Senado logo depois das primeiras revelações da Operação Lava-Jato, a comissão foi encerrada sem apurar absolutamente nada. E não foi por incompetência, negligência nem omissão. Sabe-se agora que congressistas foram pagos para fechar os olhos diante das evidências de corrupção. Enquanto posavam perante as câmeras como defensores do contribuinte, nos bastidores os principais integrantes da CPI extorquiam os empresários investigados pela Polícia Federal. A tática é antiga: os senadores anunciam a intenção de convocar para depor os empreiteiros envolvidos no escândalo e depois negociam a não convocação. Ricardo Pessoa corria o risco de ser intimado a depor, e ele mesmo se encarregou de contornar o problema. Mas custou caro. Uma bolada de 5 milhões de reais. O pagamento, segundo ele, foi negociado pelo dono da UTC diretamente com o então senador Gim Argello, líder do PTB e vice-presidente da comissão. O empresário contou aos investigadores que as tratativas ocorreram por meio do senador porque ele exercia “forte influência” sobre o presidente da CPI, Vital do Rêgo, o atual ministro do Tribunal de Contas da União, e sobre o relator da comissão, o deputado Marco Maia (PT-RS). Na “conversa” com Argello em Brasília, Ricardo Pessoa foi orientado a pagar os 5 milhões de reais em forma de “doações oficiais” da UTC. O empreiteiro entregou às autoridades uma lista dos partidos que foram usados para receber o dinheiro e o nome do operador do esquema, um lobista chamado Paulo Roxo. Além de Gim Argello, Pessoa cita o nome do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que, segundo ele, ganhou 150 000 reais na mesma operação.
Consultoria na Papuda
A consultoria que não era consultoria
Depois de cair em desgraça durante o escândalo do mensalão, em 2005, o ex-ministro José Dirceu começou a atuar como lobista nos bastidores do governo. Como a Operação Lava-Jato já mostrou, as “consultorias” prestadas por Dirceu a empreiteiras e outras empresas com interesses na máquina pública renderam ao mensaleiro uma fortuna de 39 milhões de reais. Quando essa informação emergiu, Dirceu defendeu-se dizendo que havia realizado um trabalho legítimo de consultoria. As suspeitas de que contratos desses serviços seriam, na verdade, simulacros para esconder propina das obras da Petrobras eram refutadas com veemência pelos advogados do ex-ministro, que, temendo voltar à cadeia, e para provar que agia dentro da legalidade, se antecipou e encaminhou à Justiça cópias de todos os contratos assinados e a relação de seus clientes. Embora suspeito, parecia legal.
A delação de Ricardo Pessoa, no entanto, mostra o que realmente fazia o consultor Dirceu. Ou melhor, o que não fazia. O dono da UTC contou aos investigadores que foi procurado pelo ex-ministro em meados de 2012. Dirceu, que exercia forte influência sobre os operadores petistas da Petrobras — Renato Duque, por exemplo, o diretor de Serviços que está preso, foi colocado no cargo por Dirceu —, ofereceu ao empreiteiro os seus serviços de consultor na prospecção de obras para a UTC junto ao governo do Peru. Ciente de que negar dinheiro a Dirceu poderia ser o começo de graves problemas nos contratos da Petrobras, o empreiteiro não teve dúvida. Fechou um contrato de 1,4 milhão de reais com o mensaleiro. Trabalho? Promessas de abrir portas para a empreiteira em países da América Latina. Nada aconteceu.
Um ano depois, porém, a UTC renovou o contrato de consultoria por mais 906 000 reais. No ano seguinte, ainda sem ver nenhum resultado no trabalho do consultor, Ricardo Pessoa assinou um segundo aditivo, dessa vez no valor de 840000 reais. E eis que surge a prova de que não havia mesmo serviço algum a ser prestado. O empreiteiro contou aos investigadores que, em plena vigência do primeiro aditivo, José Dirceu foi preso por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF). Recolhido ao Complexo da Papuda, em Brasília, o ex-ministro não teria mais como prospectar negócios para quem quer que fosse, muito menos em outro país. Mas Dirceu era Dirceu. A pedido do próprio mensaleiro, que alegava passar por dificuldades financeiras, a UTC continuou pagando a ele os gordos honorários. O dinheiro era entregue ao irmão, Luiz Eduardo, e era debitado diretamente da conta-corrente de propina que a UTC administrava por intermédio de João Vaccari Neto. Aliás, Ricardo Pessoa revelou que acertou a mesada de José Dirceu com o tesoureiro do PT, que autorizou o repasse de parte da propina diretamente ao mensaleiro. Assim como nos demais casos, Pessoa entregou ao Ministério Público toda a contabilidade do dinheiro pago ao ex-todo-poderoso chefe da Casa Civil do governo Lula. Também dissecou os pagamentos detalhados do PT que, por ordem de Vaccari, foram canalizados para José Dirceu com o objetivo de quitar despesas pessoais e pagar aos seus advogados enquanto estava na cadeia.
Conexão no TCU
A UTC pagava por informações privilegiadas e acesso ao Tribunal de Contas da União
Além de pagar propina para obter contratos no governo federal, o empreiteiro Ricardo Pessoa mantinha uma rede de informantes em órgãos considerados estratégicos pela UTC. Um deles era o Tribunal de Contas da União (TCU). Na corte, que tem por atribuição fiscalizar o andamento das obras, identificar sinais de superfaturamento e punir eventuais desvios, o contato do empreiteiro era Tiago Cedraz, um jovem advogado de Brasília cujo escritório virou grife entre as bancas da capital por causa do sobrenome que carrega. Tiago é filho do atual presidente do TCU, Aroldo Cedraz. Segundo Pessoa, o advogado tinha acesso privilegiado a informações valiosas de interesse da UTC. O empreiteiro contou aos procuradores que, desde junho de 2012, o jovem Cedraz atuava como uma espécie de espião da UTC no TCU. Sem nenhum contrato ou registro em notas fiscais, Pessoa diz que pagava mensalmente a Tiago 50 000 reais em dinheiro vivo para obter o que ele chama de “informações de inteligência”. O objetivo do empreiteiro era antecipar-se às ações de fiscalização dos auditores do TCU e, assim, evitar problemas.
O advogado também alertava o empreiteiro quando um processo de interesse da UTC estava prestes a ser julgado pelos ministros — e atuava para solucionar a pendenga. Segundo Pessoa, Tiago dizia que tinha acesso irrestrito ao tribunal, inclusive na área técnica. “Tiago não chegava a antecipar o resultado do julgamento, mas, diante da notícia de um possível resultado negativo, avisava “tem de tirar de pauta, se não vai dar problema” “, contou o empreiteiro. Ao ser perguntado sobre o porquê de ter feito os pagamentos, confessou, sem meias palavras: “contratar um tráfico de influência no TCU”. Além dos pagamentos mensais, Tiago Cedraz era remunerado quando havia uma questão mais grave a ser solucionada. Para fazer lobby em defesa da UTC num processo sobre a construção da usina nuclear de Angra 3, recebeu um extra de 1 milhão de reais, segundo Ricardo Pessoa. O pagamento foi feito em espécie, em 23 de janeiro do ano passado. Uma parte do valor foi entregue em Brasília e a outra, retirada na sede da UTC. Os repasses a ele constam numa planilha intitulada “Tiago BSB”, com 25 pagamentos feitos ao filho do ministro do TCU. Pessoa contou que, por vezes, o tesoureiro do partido Solidariedade, Luciano Araújo, retirava valores em nome de Tiago Cedraz. A VEJA, ele afirmou que nunca patrocinou nenhum caso da UTC no TCU e disse que está “à disposição das autoridades para fornecer as informações necessárias à correta compreensão dos fatos”.
O senador de 20 milhões
Foi quanto o grupo de Fernando Collor embolsou num único negócio
Em troca de manter o seu apoio ao governo Lula, o senador Fernando Collor (PTB-AL) conseguiu emplacar o engenheiro José Zonis na diretoria de Operações e Logística da BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras. Um excelente negócio — principalmente para o bolso do próprio senador. Depois da posse do diretor, Ricardo Pessoa foi procurado pelo empresário Pedro Paulo Leoni Ramos. Ex-ministro de Collor e amigo pessoal do ex-presidente, “PP”, como é conhecido, falou abertamente de seus planos. Disse que a BR Distribuidora estava no raio de influência dele e ofereceu à UTC um pacote de 650 milhões de reais em contratos com a estatal. Em contrapartida, queria uma “comissão”. Para convencer o empreiteiro, deixou claro que seu fiador no negócio era o amigo “Fernando” e, para provar que não era blefe, levou Ricardo Pessoa até José Zonis para uma primeira aproximação. O dono da UTC contou aos investigadores que, após a reunião com o diretor, a empreiteira aceitou o acordo, ganhou os contratos e pagou a Pedro Paulo e a Fernando Collor nada menos que 20 milhões de reais.
Questionado sobre o suborno, Pessoa esclareceu que seguira a tabela de corrupção da Petrobras durante o governo Lula — o padrão de 3% sobre o montante do contrato. O empreiteiro entregou ao Ministério Público as planilhas com a data dos desembolsos e narrou detalhes de como o dinheiro foi repassado a Pedro Paulo Leoni Ramos. Disse que só aceitara fechar o negócio, inclusive adiantando parte do suborno, por saber que o senador alagoano estava por trás das tratativas. O ex-presidente da República é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal desde o início da Operação Lava-Jato. Em abril do ano passado, os investigadores apreenderam no escritório do doleiro Alberto Youssef, um dos operadores do esquema de corrupção na Petrobras, comprovantes de depósitos bancários na conta pessoal de Fernando Collor — num total de 50 000 reais. Quantia pequena se comparada aos volumes de propina movimentados pelos principais corruptos identificados até agora. Era apenas o começo. Em delação premiada, Rafael Ângulo, outro envolvido no escândalo, disse às autoridades que, em 2012, entregou outros 60 000 reais em dinheiro a Collor num apartamento em São Paulo. Mesmo assim parecia um suborno ínfimo para alguém com a biografia do ex-presidente. Com o depoimento de Ricardo Pessoa, fica evidente que tanto os depósitos em conta-corrente como os valores entregues em domicílio não passavam de gorjeta. Organizado, o empreiteiro anotou numa tabela as propinas repassadas ao grupo do senador. Os pagamentos começaram em dezembro de 2010 e se estenderam até julho de 2012, quando José Zonis se desentendeu com os padrinhos e acabou deixando a Petrobras. Para garantir os contratos, o empreiteiro deu um sinal de 2 milhões de reais e mais vinte parcelas de 900000. Total: 20 milhões. O típico mensalão.
A turma do caixa dois
A UTC, como praticamente todas as grandes empreiteiras, financiou muitos políticos e partidos. Apenas na campanha de 2014, a empresa distribuiu quase 55 milhões de reais em doações eleitorais, incluindo aquelas que camuflavam o dinheiro desviado dos contratos superfaturados da Petrobras. Ao seu acordo de delação, Ricardo Pessoa anexou uma lista com todas as contribuições da empreiteira — as legais, as aparentemente legais e as completamente ilegais. A relação dos clientes dessa última categoria compromete figuras importantes da República. Segundo o empreiteiro, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, recebeu 500 000 reais para a sua campanha ao governo de São Paulo, em 2010. Desse total, 250000 reais foram repassados ao ministro em dinheiro vivo. Mercadante nega: “Desconheço qualquer ação não contabilizada para a minha campanha”. O caixa dois do empreiteiro envolve também o ex-tesoureiro das campanhas de Lula e de Dilma, o atual secretário de Saúde da prefeitura de São Paulo, José de Filippi Júnior. Ele recebeu 150 000 reais em doação oficial da UTC e outros 750 000 reais por fora para a sua campanha a deputado, em 2010. Para não chamar atenção, segundo Ricardo Pessoa, Filippi mandava um taxista de sua confiança buscar os pacotes de dinheiro na sede da empresa. O caixa dois do tesoureiro está registrado na planilha “Filippi Diadema” entregue pelo empreiteiro aos investigadores da Lava-Jato.
A lista dos beneficiários é extensa e envolve políticos de vários partidos. O senador Aloysio Nunes Ferreira recebeu 300 000 reais oficialmente e outros 200 000 reais em dinheiro. Constam ainda o senador Ciro Nogueira (2 milhões), o senador Benedito de Lira (400 000), o deputado Artur Lira (1 milhão) e o mensaleiro Valdemar Costa Neto (200000). Na campanha de 2012, quem recebeu recursos de maneira irregular foi o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Pessoa contou aos investigadores que foi procurado por João Vaccari, que pediu a ele que pagasse uma dívida de 2,6 milhões de reais do PT com uma gráfica. O gasto foi descontado da conta-corrente clandestina que o PT deixava sob a administração da UTC. Pessoa também revelou que pagava para não ter problemas. O senador Edison Lobão recebeu 1 milhão de reais para não atrapalhar as pretensões da empresa nas obras de Angra 3. Já o ex-senador Sergio Machado recebeu 1 milhão de reais como retribuição pelas gentilezas durante o período em que presidiu a Transpetro, uma subsidiária da Petrobras. As operações políticas, quase sempre, eram bem-sucedidas. A exceção foi o deputado Dudu da Fonte. Líder do PP na Câmara, ele recebeu 300000 reais da UTC em troca de indicação da empreiteira para uma obra no Paraná. Ricardo Pessoa pagou, mas disse que, nesse caso, levou um tremendo “passa-moleque” do deputado. Todos os citados negam ter recebido dinheiro de caixa dois.