Na última quinta-feira pela manhã, o governo do Estado promoveu um grande encontro político no Memorial da América Latina, na capital paulista, para anunciar a destinação de recursos da ordem de R$ 2,46 bilhões para os municípios paulistas. Estavam presentes, além do governador Geraldo Alckmin e das equipes das secretarias e empresas estaduais, mais de 600 dos 645 prefeitos paulistas, entre eles o do maior município, a capital, e o do menor, Borá, e centenas de vereadores e gestores.
Nesse contraste de realidades, o Estado de São Paulo se encontrou por meio de suas lideranças políticas. Foi a primeira reunião do gênero, que não irá se repetir tão logo, porque Alckmin pretende prosseguir o contato com as cidades em reuniões regionais ao longo de 2013. Serviu de catarse, devido às conhecidas lamúrias dos prefeitos em relação às suas dificuldades financeiras, e ao mesmo tempo de injeção de ânimo com o esperado anúncio coletivo de investimentos em áreas sociais e de infra-estrutura.
Dia seguinte, na sexta-feira, em seu gabinete, Alckmin recebeu a Rede APJ – Associação Paulista de Jornais, da qual faz parte este jornal, com uma visão otimista do Interior Paulista, que qualifica como “um País”, porque “tem PIB de país, grande riqueza e qualidade de vida excepcional”. O mesmo governador que abriu os cofres para programas como a conservação de estradas vicinais (R$ 915 milhões), expansão do Creche Escola (R$ 331 milhões) e aumento do repasse para a melhoria das UBSs (Unidades Básicas de Saúde), num total de R$ 140 milhões, entre outros programas, defendeu a descentralização de recursos, a autonomia em lugar do paternalismo e o fortalecimento dos municípios, onde, afinal, vivem as pessoas. Esta é a íntegra da entrevista:
APJ – O que se nota nos últimos anos é uma concentração de investimentos empresariais nas regiões mais próximas da Capital. Como o sr. planeja o Estado como um todo, levando em consideração as regiões ainda não diretamente beneficiadas pelo “boom” da economia global?
Geraldo Alckmin – Temos dois fenômenos mundiais. Estudei muito isso nos seis meses que fiquei em Harvard, em 2007. Um é a urbanização. Mais da metade da população mundial mora em cidades, nunca houve isso. No Estado de São Paulo, o índice de urbanização é de 92%. O mundo tende à urbanização. As pessoas migram à procura de emprego, de oportunidades, para a sua subsistência, e os empregos estão cada vez mais na área de serviços, nas cidades. Na indústria, há a robotização e na agricultura, a mecanização. Muita gente que morava na na área rural, hoje mora na cidade. O segundo é a metropolização. A Grande Tóquio tem 36 milhões de pessoas; Nova Déli, na Índia, 24 milhões e a Grande São Paulo, 22 milhões de habitantes, é a terceira maior região metropolitana do mundo. E outras vão se formando – Vale do Paraíba, Sorocaba, Ribeirão Preto… Como evitar essa concentração? Estimulando investimento em outras regiões.
APJ – De que forma isso é possível?
Alckmin – Temos procurado potencializar a vocação econômica de cada região. Por exemplo, na região de Presidente Prudente, a regularização fundiária vai ajudar muito. Com infra-estrutura: aeroportos, estradas, ferrovia, sistema de telecomunicação. Decidimos levar a Unesp somente para regiões que mais precisam e com isso foram criados sete novos campi, nenhum deles em regiões mais ricas. Levamos a Unesp para o Vale do Ribeira, Pontal do Paranapanema, Alta Paulista e Sudoeste do Estado. Todos terão Engenharia. Estamos procurando com isso reforçar as regiões com infra-estrutura, logística, recursos humanos e fortalecer a vocação regional. A universidade nessas regiões faz a diferença. No Vale do Ribeira, a melhora é nítida na qualidade de vida e as pessoas evitam migrar.
APJ– Que pontos o sr. destacaria em relação à infraestrutura?
Alckmin – Todas as entradas do Estado estão sendo duplicadas. A rodovia Euclides da Cunha vamos entregar em 90 dias, são 158 quilômetros de duplicação, do Paranazão para Mirassol, perto de Rio Preto. A Raposo Tavares, de Presidente Epitácio a São Paulo, vamos recuperar todo o trecho entre Ourinhos e Itapetininga. Na Hidrovia Tietê-Paraná, vamos investir R$ 1,6 bilhão, dos quais R$ 700 milhões do Estado e R$ 900 milhões do governo federal, trazendo-a até Piracicaba, integrando com a ferrovia e reduzindo custos para o Interior. Fortalecimento do agronegócio, com programas de estradas vicinais e pontes e crédito. Para reduzir desigualdades, lançamos na área social um programa exclusivo para os 100 municípios com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Mas a faixa abaixo da pobreza está na periferia metropolitana. Os grandes desafios estão também nas bordas das metrópoles.
APJ – Qual é o papel reservado às cidades e as administrações municipais no contexto da globalização?
Alckmin – O gestor moderno é um bom aplicador do dinheiro público e também o grande animador da atividade empreendedora. Além de recolher os impostos e aplicar bem, em benefício da população, tem que ter um grande papel de atrair atividades empreendedoras. De estimular o empreendedorismo. O governo não gera empregos, só de forma complementar. Quem cria riqueza é o setor privado, na agricultura, na indústria, nos serviços, turismo e comércio. Estimular a vocação regional. Temos 67 estâncias turísticas, mas qual município que não tem potencial turístico? Então, vamos apoiar mais de 400 municípios de interesse turístico. Cabe portanto ao gestor público trabalhar muito com a sociedade civil organizada e com o setor produtivo, trabalhadores e empresários. Governo moderno é o que interage, ouve, dialoga, para tomar as melhores decisões.
APJ– Os municípios não estariam dependentes do governo do Estado? Não deveriam ter capacidade para resolver certas questões básicas sem recorrer ao governo do Estado, que por sua vez poderia focar em estratégias mais amplas?
Alckmin– Temos o cuidado de não ter uma política paternalista, mas precisamos ser parceiros do governo que está mais perto do povo. É importante fortalecer o governo local porque é quem mais conhece os problemas da cidade, é quem mais pode melhorar a qualidade de vida da população. O governador Montoro dizia que ninguém mora na União ou no Estado, todo mundo mora no município. O Brasil é um continente. A América espanhola se dividiu em ene países; a portuguesa se manteve no Brasil. É preciso ter descentralização. Quanto mais fortalecermos o poder local, mais beneficiamos a população. Não queremos ir lá fazer obras. Queremos apoiar os municípios para que eles executem os serviços e as obras. Precisamos fazer um trabalho político de fortalecimento da descentralização. O Brasil tem uma cultura centralizadora. Vem desde a época do Brasil Colônia.
APJ – O que fazer?
Alckmin– É a luta política, como fizemos na Constituição de 1988, e eu fui constituinte. O município precisa ter autonomia financeira para não ficar pedinte. Precisa ter recursos próprios melhores. E precisamos fazer o Brasil crescer. Quando eu fui prefeito na década de 70 em minha cidade natal (Pindamonhangaba), época do milagre econômico, o Brasil cresceu 12% a 13% o PIB (Produto Interno Bruto). Crescer 0,9%, evidente, casa que falta pão, todo mundo chia e ninguém tem razão. É preciso um crescimento mais forte da economia.
APJ – E os municípios estão preparados para essa nova realidade?
Alckmin – Nós temos sempre lembrado os prefeitos sobre o ajuste fiscal. Início de mandato tem que fazer o ajuste para buscar eficiência no gasto público. Não pode ser só no começo. Essa é uma obra interminável. Criamos aqui em São Paulos os guardiões da economia. Cada secretaria, empresa e fundação tem um guardião para economizar água, luz, viagem, diárias, compras e contratos.
APJ – Ao longo dos últimos anos, aumentou a conscientização dos prefeitos em relação à responsabilidade fiscal?
Alckmin – Melhorou muito. Primeiro, surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal. O prefeito fica inelegível, além de responder civil e penalmente. Outra razão é o Ministério Público e seus instrumentos de controle e a imprensa, muito atenta. É nítido que há uma melhora. A gente vive de forma cíclica. Em 1988, o município foi fortalecido pela Constituição. Ganhou força com a descentralização. De lá para cá, os municípios vêm sendo fragilizados. O grande aumento de carga tributária no Brasil se fez para a União através de contribuições, para não partilhar com estados e municípios. Todos os tributos que foram criados e majorados – PIS, Cofins, etc – são federais, há uma concentração federal. Nós, os 27 governadores, levamos quarta-feira (passada) ao Congresso Nacional um pleito da federação brasileira, de desonerar o Pasep dos estados e as prefeituras. Há um princípio federativo de que um ente não tributa o outro. O governo estadual não cobra tributo do governo federal, nem de nenhuma prefeitura; e estas não cobram tributos do Estado e da União. Mas a União tributa todos os estados e prefeituras em 1% da receita líquida para o Pasep. Estamos propondo acabar com isso. O dinheiro, em grande parte, vai para o BNDES. O Estado tem uma receita corrente líquida de R$ 120 bilhões e pagamos para o governo federal R$ 1,2 bilhão. O ente mais forte tributa o mais fraco? É inacreditável.
APJ – Qual o significado político e institucional do encontro que o sr. teve com os prefeitos, esta semana?
Alckmin– O encontro foi muito importante. A marca é a parceria e a cooperação em benefício da população e de forma ampla em seus objetivos, porque incluímos a educação, saúde, transporte, área social, saneamento básico e agricultura.
APJ – Que sentimento o sr. captou dos prefeitos nesse encontro?
Alckmin – Baixa capacidade de investimento. Em razão do baixo crescimento da economia em 2012, o Brasil cresceu só 0,9% do PIB, e desonerações por parte da área federal. Tem muitos municípios dependentes do FPM (Fundo de Participação dos Municípios).
APJ – E o que foi priorizado no encontro?
Alckmin– Procuramos ajudar os municípios. Na merenda escolar, dobramos de R$ 0,25 por aluno para R$ 0,50 e em escola de tempo integral, R$ 2 por aluno. São Paulo é o único estado do Brasil que complementa o repasse federal. Na saúde, estamos colocando recurso vultoso para UBSs, em reformas, ampliação, equipamentos, construção e ambulâncias. As prefeituras menores têm dificuldade de equipamentos: vamos doar 1 caminhão para todas as prefeituras de até 50 mil habitantes. Muito caminhão de lixo coletor e compactador. As quatro últimas concessões – Rota das Bandeiras, Via Rondon, Rodovias do Tietê e Raposo Tavares – têm que fazer a manutenção de 922 quilômetros de vicinais por 35 anos. Queremos levar o Banco do Povo para os 645 municípios – ainda faltam 161. Vamos expandir o Procon, que hoje abrange 254 municípios, ou 88% da população. Também investir R$ 1,9 milhão para prefeituras com até 50 mil habitantes e que ainda não possuem o Portal da Transparência. Tudo isso suprapartidário. Não há distinção de nenhum tipo sob o ponto de vista partidário. O mesmo eleitor que elegeu o prefeito é o mesmo que me elegeu, temos que trabalhar juntos em benefício da população.
APJ – Nesse contexto todo, qual é o papel da imprensa regional, em sua opinião?
Alckmin – Um papel central. Primeiro, uma boa imprensa é a sociedade conversando consigo própria. Segundo, há também o papel de estimular, de emulação desse diálogo regional. Terceiro, valorizar os seus quadros, os pratas da casa. Divulgar, corrigir, criticar. E as pessoas gostam de saber o que está acontecendo em sua região.
Esta entrevista é publicada pela APJ – Associação Paulista de Jornais, formada pelos seguintes veículos líderes regionais: Comércio da Franca, Cruzeiro do Sul (Sorocaba), Diário da Região (São José do Rio Preto), Diário do Grande ABC (Santo André), Folha da Região (Araçatuba), Jornal da Cidade (Bauru), Jornal de Jundiaí, Jornal de Limeira, Jornal de Piracicaba, O Diário (Mogi das Cruzes), O Imparcial (Presidente Prudente), O Liberal (Americana), O Vale (S. José dos Campos), O Vale (Taubaté) e Tribuna Impressa (Araraquara). Os jornais da APJ têm uma circulação somada de 342 mil exemplares aos domingos.