Enquanto se identificam 18 milhões de pessoas físicas e jurídicas com tributos atrasados, a corrupção consome 70 bilhões de reais ao ano. Cobrar os honestos é mais fácil do que aplicar a ética democrática nos palácios. Azar do contribuinte…
Recorra-se ao insofismável Aurélio para encontrar o preciso significado da palavra Erário: conjunto dos recursos financeiros públicos; dinheiro e bens do Estado; tesouro, fazenda.
Definição objetiva: recursos financeiros do povo, da coletividade. Pena que a lei da conveniência unanimidade nos meandros do poder – leve à tradução perversa do erário como dinheiro de ninguém.
Provavelmente, ao renegar o pátrio poder popular sobre a montanha de R$ 1,769 trilhão do PIB brasileiro, a corrupção endêmica (o embaixador americano Melvyn Levitsky estava certo, vamos admitir) ganhe aspecto menos agressivo. Afinal, o que são R$ 72 bilhões (esse é o preço da corrupção, segundo a Fundação Getúlio Vargas (SP)) – diante do trilhão As emendas individuais que povoam os parlamentos, então, ficam de uma pequenez invisível.
Repugnante mesmo é saber que 15 milhões de pessoas físicas e outras 3 milhões de pessoas jurídicas têm pelo menos um tributo em atraso, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Como será que essas pessoas físicas e jurídicas conseguem dormir Será que elas não sabem que os tributos representam mais de 38% do PIB. Não percebem que, sem a fatia de taxas, impostos e contribuições, o ralo da corrupção ganha evidência Quanta insensatez.
Incrível como o Brasil possui parâmetros tão insólitos para medir sua grandeza. A cultura do saque colonial, perpetrada nas repartições – onde há facilidade para toda dificuldade -, é um deles. Quantas nações suportariam uma seqüência secular de devastação moral e material Só uma terra de riquezas infindáveis – e tão mal distribuídas, diga-se – consegue se manter em pé diante de tantas contradições.
Ironia à parte, fica a questão: até quando o contribuinte agüentará tanta humilhação A impressão, diante dos desmandos, é de que os tributos são o combustível da roubalheira nos bastidores do poder. A cidadania fica fragilizada pela dúvida da seriedade das instituições. A justiça, lançada como o bálsamo de todas as dores do estado de direito, dá indícios de que a providência cega só enxerga as escorregadelas dos mais fracos. Quanto às quadrilhas ” auto-suficientes no custeio de mestres profissionais -, a letargia dos tribunais lhes garante a materialização da máxima de Getúlio Vargas, “a lei, ora a lei”.
Qualquer empresa séria sabe que o êxito de suas finanças mora na contabilidade. Arrecada-se “x”, gasta-se “y”, sobra ou falta “z”. Tanto no saldo positivo como no negativo haverá um descritivo fiel do que provocou tal resultado. Fica no ar a suspeita de que o governo é omisso. Ninguém se prontifica a acabar com a cultura política, por julgar irreparável o hábito do toma-lá-dá-cá. E, por conta disso, tudo leva a crer que a reforma tributária também está proibida de ferir os vícios que impregnam os gabinetes palacianos.
Fica o amargo sabor da traição. Há cerca de 250 anos, a derrama escandalizava por servir à riqueza da metrópole. Hoje, a carga tributária se presta a bancar marajás e a corrupção desenfreada. A diferença é que antes éramos abertamente colonizados. Agora, emancipados, somos usurpados por nossos semelhantes.
Imagine lançar os 70 bilhões de reais na cadeia produtiva, com isenção fiscal baseada no custo-benefício” Mais emprego, maior consumo, aquecimento sustentável do mercado, moradias dignas para encortiçados, novas escolas, remunerações dignas para professores, saúde, aposentadoria próxima das concedidas ao inativos do serviço público. Seria um bom impulso para colocar a roda da economia no saudável trilho do desenvolvimento. No entanto, entramos na contramão, com aquiescência de quem pode reverter o curso.
As culturas perversas estabelecidas devem ser corrigidas. O político deve sim gozar de privilégios diante de seus atos pelo bem coletivo, não pelo interesse pessoal na interferência da gerência administrativa. A força produtiva aceitará sim repartir o trilhão do seu suor, desde que seus anseios sejam correspondidos com uma sociedade mais justa, baseada no equilíbrio dos direitos e deveres.
Se 70 bilhões de reais são suficientes para fazer prosperar o desprezível nicho de corruptos, o que cérebros e mãos bem intencionadas fariam com os 750 bilhões de reais recolhidos todos os anos com tributos Quem dera houvesse mais contabilistas e menos “despachantes do poder”.
Enfim, só resta um apelo. Na carência de homens capazes de dar decência à gestão pública, que a nobreza contemporânea enriqueça à custa do trabalho alheio, mas permita aos súditos saqueados, ao menos, o direito de conquistar seu pão, porque o circo de colarinho branco é suficiente para nos roubar a graça.
Valdir Campos Costa é Diretor da Conape Auditores Independentes, Conselheiro do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo e Delegado do PSDB ” Distrital da Bela Vista em São Paulo ” Capital