O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse nesta quinta-feira (31) que os ajustes na economia brasileira têm de ser feitos sem mudar o rumo. Ele defendeu que não é bom abaixar as taxas de juros “a qualquer custo”.
“[É preciso] não exagerar nos ajustes. Ao ajustar, não mudar o rumo. [Mas] não estou dizendo que tenham mudado de rumo.”
O tucano, que participa de um seminário de investimento em Pequim patrocinado pelo Itaú, disse que falta uma “visão estratégica” ao país, principalmente em educação, infraestrutura e energia. Ele também defendeu reformas para aumentar a competitividade do setor industrial.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista, concedida a jornalistas brasileiros durante o intervalo do seminário.
DESVALORIZAÇÃO DO REAL
“Essa desvalorização foi, até certo ponto, apoiada pelo Banco Central. Muitos países estão fazendo isso tentando proteger a sua manufatura. Está bem. Agora, não exagerar, não transformar isso numa prática institucionalizada.”
TAXA DE JUROS
“Temos de olhar as consequências. Não dá pra você ter reduções definidas, que a taxa de juros não tem importância, tem de abaixar a qualquer custo. Não, não é a qualquer custo. O custo é a inflação. Então tem de olhar a inflação.”
CRESCIMENTO ECONÔMICO
“Tem de crescer. Mas também não é a qualquer custo. Você consegue crescer a qualquer custo, você produz distorções grandes mais adiante. Então eu acho que estamos num momento em que o Brasil está se reajustando ao que aconteceu no mundo e o aconteceu dentro dele: ficou mais forte, mais rico e tem mais capacidade de consumo.
Mas não teve a capacidade de aumentar a sua taxa de poupança, que é uma coisa complicada. É difícil você programar uma taxa de crescimento muito elevada sem uma taxa de poupança correspondente. Então você pode expandir o crédito, e isso também tem limite.”
REFORMAS
“Há que retomar a linguagem das reformas. Porque é verdade que as nossas manufaturas sofreram muito com a taxa de câmbio. Mas também é verdade que elas sofrem com a falta de competitividade delas. E essa falta de competitividade não é em função do que acontece dentro da fábrica, é fora da fábrica. É o sistema tributário, é a infraestrutura que está faltando, é a eletricidade que custa muito.”
FALTA DE VISÃO ESTRATÉGICA
“Acho que está nos faltando uma visão estratégica. O que quer dizer isso? Não sabemos bem como é que vamos manter um país que se desenvolva, e não só cresça, a longo prazo. Educação: fala-se muito, mas se faz muito menos do que se fala. Infraestrutura: fala-se muito, mas se faz menos. Energética: não está clara a nossa visão do que fazer com o petróleo. Os nossos problemas que precisamos começar a discutir são de longo prazo.”
O QUE É URGENTE
“De reforma, são de simples a muito difíceis. Como o Brasil tem hoje recursos fiscais abundantes, há a possibilidade de redução de impostos. Mas é muito difícil propor uma medida global de reforma tributária porque aí os interesses se chocam. Então como é que se mexe nessa matéria?
Acho que é urgente ter uma nova visão da educação. Mais consistente, não é só vagamente. Mudar os currículos. Tem coisas que são urgentes. Mas estou confiante. Acho que temos avançado, vamos avançar mais, sobretudo porque nós temos democracia. Seja quem for a ideia de quem manda, essa ideia não pode se implementar sem negociar.