Vinte anos após dar os primeiros passos para a estabilização da economia, o ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso avalia que o Brasil passa por momento político semelhante ao do lançamento do Plano Real, com anseio por mudanças. FH observa que o plano não foi apenas um conjunto de técnicas para controlar preços, mas um processo educativo que permitiu ao brasileiro entender como a inflação o prejudicava. Em entrevista por e-mail, ele alerta que, embora o país esteja longe do descontrole de preços, a memória inflacionária ainda é um risco.
Ainda existe risco de descontrole de preços?
Sempre existe a possibilidade de descontrole de preços. Como o governo menospreza a busca pela redução da inflação, mesmo que gradual, limitando-se a sugerir que basta não ultrapassar o teto da meta inflacionária, e como há muitos preços represados por decisão governamental, o risco aumenta. Não creio que seja iminente nem que estejamos diante do que aconteceu no passado, mas é preciso mudar a atitude leniente e estar sempre de olho no que já está indexado.
Por que a inflação se mantém acima dos 6%?
Como se viu na época do Real, há um componente de inércia que conta. Já que os preços subiram e vão continuar subindo, na dúvida, façamos um pequeno aumento. São resquícios da memória inflacionária. Além disso, a política monetária sozinha não dá conta de controlar a inflação. É preciso combiná-la com a política fiscal. E o que estamos vendo, às vésperas das eleições, é afrouxamento fiscal.
O Brasil teve a menor taxa de juros de sua História. Por que não se sustentou?
Desde o governo Lula, o mantra é: mais crédito (público) e mais consumo. Houve pouca atenção ao aumento de produtividade e à atração de investimentos produtivos. Houve mais gastos correntes do governo.
Como é possível retomar a confiança dos empresários?
A visão econômica do governo, registrada pelos empresários como inamistosa, cria um clima de pessimismo. Se a isso agregamos os erros na política econômica e a demora, desde o governo Lula, em enfrentar os gargalos da infraestrutura pelo temor do investimento privado, temos a situação atual de baixo crescimento. Não se pode esquecer também da percepção de que o processo educativo é falho e, com isso, a recuperação dos índices de produtividade se torna mais difícil.
Após duas décadas, quais conquistas se mantêm?
Sem dúvida o Plano Real, que inicialmente era chamado de Plano FHC, marcou uma mudança na vida brasileira que permaneceu: não aceitar a inflação como inevitável e ver que, com ela, não pode haver melhoria real de salário nem, portanto, de bem-estar. O Plano Real não foi apenas um conjunto de técnicas de controle da inflação. Foi um processo educativo que permitiu ao povo entender como a inflação o prejudicava. Deu condições a governos e empresários de maior previsibilidade para gastos e investimentos. O ajuste econômico foi feito sem perdas, mas com ganhos, para assalariados. Estes objetivos permanecem na mente de todos.
Redistribuição de renda e diminuição da pobreza, com Lula e Dilma, foram complementos ao Real?
A preocupação com salários e bem-estar veio antes dos governos Lula e Dilma. Desde o governo Itamar e do meu, o movimento na direção de melhor distribuição de renda, redução da pobreza e melhores condições de vida estiveram presentes. As conjunturas eram mais adversas, sobretudo as internacionais. Entretanto, o sentido de melhoria veio com o Plano Real. Perder estes ganhos com a aceitação implícita da inflação é erro óbvio de condução da política econômica, que leva à perda da confiança dos empresários e à “estagflação” (crescimento baixo e inflação alta), na qual já estamos. Com o tempo, levará a perdas sociais.