Folha de S.Paulo –
FELIPE SELIGMAN
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou ontem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fomentou intrigas contra ele para constranger o tribunal e tentar “melar” o julgamento do mensalão, previsto para ocorrer neste ano.
Mendes disse que Lula agiu como uma “central de divulgação” de informações sobre sua ligação com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) e o empresário Carlos Cachoeira, acusado de chefiar um esquema de corrupção.
“O objetivo era melar o julgamento do mensalão”, afirmou Mendes, ao chegar para uma sessão do STF. “Dizer que o Judiciário está envolvido numa rede de corrupção.”
As declarações de Mendes elevam o tom de seu confronto com Lula, iniciado no fim de semana com a revelação pela revista “Veja” de um encontro que eles tiveram em abril no escritório do ex-ministro do STF Nelson Jobim.
Segundo Mendes, o ex-presidente disse que o julgamento do mensalão deveria ser adiado para depois das eleições deste ano e sugeriu que poderia garantir proteção na CPI que investiga Cachoeira.
Em nota na segunda-feira, Lula se disse “indignado” com a versão de Mendes, que não foi corroborada por Jobim. A assessoria do ex-presidente disse ontem que não se manifestaria sobre as novas declarações de Mendes.
O ministro do STF disse que as pressões para que o julgamento do mensalão seja adiado seguem uma “lógica burra, irresponsável, imbecil” e voltou a defender a realização do julgamento ainda neste semestre. “Nós vamos ficar desmoralizados se não o fizermos”, afirmou.
Lula chegou ontem a Brasília e se encontra hoje com a presidente Dilma Rousseff.
VIAGENS
Bastante irritado, Mendes negou ter viajado num avião arranjado por Cachoeira no ano passado, ao voltar de uma viagem a Berlim, “fofoca” que ele disse ter sido espalhada por “gângsteres” e que teria sido mencionada por Lula no encontro de abril.
“Vamos parar com fofoca. A gente está lidando com gângsteres. Estamos lidando com bandidos que ficam plantando informações.” Mendes foi a Granada, na Espanha, participar de um congresso, e depois viajou para Berlim, onde viu sua filha, que mora na Alemanha, e encontrou-se com Demóstenes.
Mendes apresentou ontem comprovantes de que o Supremo pagou as passagens de ida e volta até Granada e que ele mesmo pagou a viagem entre Granada e Berlim.
Disse também que nos últimos dois anos viajou duas vezes a Goiânia de carona em aviões arranjados por Demóstenes. “Eu poderia aceitar tranquilamente [as caronas]. Estava me relacionando com o senador que tinha o mais alto conceito na República.”
Em depoimento ao Conselho de Ética do Senado, onde enfrenta processo de cassação, Demóstenes afirmou ontem que os dois viajaram em aviões comerciais e voltaram ao Brasil em voos separados.
Segundo a Folha apurou, Mendes foi alertado nas últimas semanas de que o PT planejava usar a CPI do Cachoeira para reforçar a ligação de seu nome com o grupo de Cachoeira, acusando-o de ter trabalhado para que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, segurasse uma investigação sobre a atuação de Demóstenes em 2009.
Mendes criticou a imprensa. “É a uma rede de intrigas que vocês se prestam”, afirmou. “A Folha mesmo virou caixa de ressonância disso.”
Em abril, o jornal publicou uma reportagem sobre uma das conversas telefônicas de Demóstenes com Cachoeira que foram gravadas pela Polícia Federal, em que eles festejam uma decisão de Mendes que deu andamento a uma ação de interesse da Celg (Centrais Elétricas de Goiás).
“Tudo seria normal se não aparecesse isso numa conversa entre Demóstenes e Cachoeira”, disse Mendes ontem.