Giovanni Guido Cerri
É extremamente preocupante, sob o ponto de vista da saúde pública, que
os adolescentes e crianças tenham acesso a qualquer quantidade de
álcool
A adolescência é a fase de experimentações. De descobertas, paixões
arrebatadoras, questionamentos, insegurança e outros aspectos
comportamentais típicos dessa fase da vida, alguns dos quais são
bastante arriscados, como sexo desprotegido e consumo de bebidas
alcoólicas e outras drogas.
Socialmente aceito, o álcool está presente nas mesas de grande parte
das famílias, nos bares, nas lojas de conveniência, nas baladas, nos
shows e nas festas.
No Brasil, mais de um milhão de pontos de venda oferecem bebidas de
variados teores alcoólicos. O acesso ao álcool, no Brasil, é
extremamente fácil e seu consumo é estimulado em propagandas
veiculadas inclusive de manhã e à tarde, no caso da cerveja, durante
partidas de futebol e outros programas.
Crianças e jovens brasileiros estão acostumados a ver seus pais e
familiares bebendo, são expostos à publicidade, frequentam locais onde
bebidas alcoólicas estão nas prateleiras e gôndolas, veem seus ídolos
de futebol e artistas favoritos consumindo álcool ou até morrendo em
decorrência do abuso dessas substâncias.
Não são raros os jovens que, em decorrência de todos esses fatores, se
arriscam a iniciar, cada vez mais precocemente, o consumo de bebidas
alcoólicas, alguns escondidos da família e outros com o consentimento
de seus pais ou responsáveis.
É extremamente preocupante, sob o ponto de vista da saúde pública, que
adolescentes e crianças bebam qualquer quantidade de álcool. Esse pode
ser o primeiro passo para o abuso e, depois, para a dependência
química, com sérios danos à saúde.
Uma pesquisa do Instituto Ibope, feita a pedido do governo do Estado,
apontou que 18% dos adolescentes entre 12 e 17 anos bebem
regularmente, e que quatro entre dez menores compram livremente
bebidas alcoólicas no comércio.
Há diversas maneiras de coibir o uso de álcool por menores de idade.
Restringir a propaganda, elevar impostos, diminuir a exposição nos
pontos de venda.
O Estado de São Paulo optou, dentro de sua competência legal, pela
prevenção nas escolas e por uma legislação mais dura, que pune
severamente estabelecimentos que vendam, ofereçam ou permitam que
crianças ou adolescentes consumam bebidas alcoólicas.
O diferencial dessa nova lei, que acaba de ser sancionada pelo
governador Geraldo Alckmin, está justamente na palavra consumo.
Antes, a venda de bebida alcoólica para menores já era proibida,
classificada como crime, mas, se um adulto comprasse o produto e o
repassasse imediatamente a um adolescente, o proprietário do
estabelecimento era isento de qualquer responsabilidade.
Agora, caberá aos responsáveis pelos estabelecimentos exigir
documentação e comprovar que não há ninguém com menos de 18 anos
consumindo álcool no local, sob risco de ser multado, interditado e
até mesmo de perder sua inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) paulista.
Alguns hábitos e mudanças de cultura são mudados por força de leis,
quando elas são seguidas de fiscalização rigorosa e de um trabalho de
conscientização e educação.
Foi assim nos casos de obrigatoriedade do cinto de segurança e de
proibição do fumo em ambientes fechados. E assim será com essa nova
legislação de tolerância zero à permissão para que crianças e jovens
tenham acesso a uma substância psicoativa que pode causar dependência,
doenças graves, acidentes, violência e morte.
GIOVANNI GUIDO CERRI, médico e professor da Faculdade de Medicina da
USP, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo.