(…) é justamente na forma de definir o interesse público que uma nova esquerda, se souber retomar os ideais e a tradição de tolerância da social-democracia, pode oferecer caminhos inovadores, porque inspirados numa utopia viável. Nesta utopia, a esquerda não apenas descobre os movimentos sociais, mas cria espaços públicos e institucionaliza mecanismos revitalizados de democracia participativa, que conciliam direitos e motivações individuais com o fato de os indivíduos viverem situações comuns, coletivas e também com o fato de que valores comuns devem ser a base das necessárias soluções de justiça social. Fernando Henrique Cardoso
Opinião Tania Alexandra Malinski
A perspectiva de realização de eleições para Presidente no Brasil, no ano que vem, torna importante uma avaliação de onde nos encontramos como partido político e de onde queremos chegar ao apresentar um projeto para nosso País. Trata-se de um momento oportuno para reflexão amadurecida de qual é nossa herança, qual tem sido nossa atuação e, diante dos desafios que encontramos hoje, qual poderá vir a ser a resposta e contribuição do PSDB para nossa nação.
A social-democracia ramificou do socialismo e um esforço de analisar sua especificidade é importante para distingui-la do seu movimento de origem no que tem de próprio.
Quem busca resgatar um pouco da história e origens da base de valores do PSDB encontrará referência fundamental na coleção Pensamento Social-Democrata publicada pelo Instituto Teotônio Vilela tendo como organizador o diplomata brasileiro Carlos Henrique Cardim. Nessa coletânea, o Instituto teve ocasião de organizar valiosa contribuição de vários autores, nacionais e estrangeiros, que abordam a formação e perspectivas da social-democracia.
Na Europa, a social-democracia surgiu como um dos desdobramentos ou desenvolvimentos do socialismo durante o século XX. Considera-se que o nascedouro da social-democracia deu-se em fins de 1959, quando o Partido Social Democrata Alemão, no congresso socialista realizado em Bad Godsberg, reconheceu na economia de mercado um modo eficaz de promover a distribuição de renda e de promover razoável equilíbrio no acesso da sociedade aos bens e serviços. A social-democracia surgiu, portanto, a partir de um socialismo que começava a questionar a estatização da economia ao mesmo tempo em que acenava com a possibilidade de erro das previsões marxistas. Havia também entre os primeiros social-democratas uma preocupação de diferenciarem-se dos comunistas europeus, que advogavam o socialismo de partido único e faziam concessões ao sistema autoritário de governo respaldados na idéia de ditadura do proletariado.
Além de constituir um questionamento acerca de premissas antes caras ao socialismo, o Congresso de Godsberg traria ao debate acerca dos seus alicerces uma contribuição fundamental: a referência à ética cristã em lugar do fundamento filosófico único (representado no materialismo dialético). Tratou-se, portanto, de um marco ideológico a favor do pluralismo, uma fórmula que não só conquistou o eleitorado católico como também abrigou vários matizes de pensamento. A defesa da democracia política surgiu, naquele contexto, como forma de manter aceso o ideal socialista de justiça, mas sem prejuízo da liberdade. E do socialismo democrático emergiu a social-democracia.
Como bem descreve Antonio Paim (…) o socialismo democrático, que cria raízes na Europa, na ética cristã, no humanismo e na filosofia clássica, não pretende anunciar verdades últimas não por falta de compreensão ou por indiferença para com as concepções do mundo ou as verdades religiosas mas em virtude da estima pelas decisões que o homem toma em matéria de fé, das quais nem um partido político nem o Estado têm de determinar o conteúdo. O partido social democrata da Alemanha é o partido da liberdade do espírito. É uma comunidade de homens provenientes de diferentes direções de fé e de pensamento. CARDIM (1998:118)
De forma análoga, o livre empreendimento na economia como uma expressão de liberdade também foi sustentado pelo socialismo democrático, contra a necessidade de socialização completa da economia. Durante o Congresso de Godsberg o livre empreendimento foi reconhecido, com a ressalva de que não se orientasse puramente na vontade do lucro privado e que houvesse controle público da economia.
A perspectiva brasileira
Diante deste breve histórico, o que caberia a nós, que nos filiamos ao pensamento social-democrata, pensarmos com relação ao nosso país”
Em primeiro lugar me parece de toda relevância a conclusão de que um país plural em sua composição humana precisa de uma base constitucional e política que reflita esta pluralidade. Tratar da democracia no Brasil, portanto, é tratar de uma questão que ultrapassa a simples opção por um sistema de governo; tratar da democracia no Brasil é tratar de como dar expressão total à nossa identidade como nação, como perfazer nosso potencial humano.
Se nos é permitido fazer alguma associação, ainda que longínqua, entre o passado europeu e a nossa história política no Brasil, pode-se perceber que também o PSDB é mais novo que partidos que se organizaram em torno da bandeira socialista, ou seja, pode também ser considerado uma evolução ou aperfeiçoamento de alguns aspectos comuns com movimentos políticos antecedentes. Por outro lado, no Brasil também se pode associar o surgimento da social-democracia com uma aspiração por maior democracia e liberdade, como ocorreu na Alemanha do pós-guerra, expressa nos resultados de Godsberg.
Como forma de embasar essa última linha de raciocínio, nada melhor que recorrer às palavras do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, proferidas durante aula na Universidade de Coimbra, ocasião em que tratou da perspectiva brasileira sobre o tema da social-democracia: O tema da democracia formal surgirá, com força, somente no marco do combate ao autoritarismo, quando se começa a admitir que as instituições pesam na vida do indivíduo e da sociedade. CARDIM (1998: 299)
Em segundo lugar, pode-se dizer que o surgimento da social-democracia no Brasil como proposta partidária qualificou o debate em torno das formas de se alcançar a justiça social de modo a garantir, ao lado a igualdade, o marco indispensável da liberdade. A social-democracia é um marco humanista e civilizatório: afasta o autoritarismo que elenca inimigos a serem eliminados ou uma ideologia a ser imposta; propõe um estado que mesmo forte na aplicação da justiça e do bem-estar social seja tolerante, plural, convivendo com adversários políticos e concorrentes econômicos; estabelece limite nas leis e na separação de poderes, e no fato de que os cidadãos têm direitos e liberdades fundamentais.
Daí a importância de noss
o partido estar fazendo um reexame de consciência com relação a suas bandeiras, a suas propostas, a suas aspirações para o povo brasileiro. E essa reflexão não pode prescindir das fontes e dos fatos que formataram a social-democracia no mundo e no nosso próprio país.
Ser social-democrata não pode significar apenas ser contra os abusos, respostas totalitárias e simplificações do materialismo e da propaganda que aliena. Uma agenda para o país não pode ser definida apenas pela negação do que se considera arbitrário. Ser social-democrata tem de ser também uma atitude propositiva, a promoção de uma perspectiva centrada no ser humano e na vida como eixos centrais das políticas públicas.
Tania Alexandra Malinski, diretório de Indianópolis, São Paulo.
CARDIM, Carlos Henrique (Org). Formação e Perspectivas da Social-Democracia. Coleção Pensamento Social-democrata. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998
CARDIM, Carlos Henrique (Org). A social-democracia alemã e o trabalhismo inglês. Coleção Pensamento Social-Democrata, Seminário na UnB. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1997.